Aharon, o protagonista de O livro da gramática interior, tem doze anos e vive em Jerusalém. Aos doze anos, é como se o chão sob seus pés começasse a mudar, a tornar-se mais fluido, menos seguro. Todo o universo com que contou a infância inteira começa a ser destruído lentamente, minado pouco a pouco a partir do lado de dentro. Seria a história de qualquer adolescente – o problema é que o corpo de Aharon se recusa a crescer e dar a ele as ferramentas necessárias para existir nessa nova configuração das coisas.

Seus amigos começam a crescer, seguir em frente, adentrar conflitos mais complexos e entender aos poucos o mundo dos adultos, mas Aharon fica de fora. Sensível, ele absorve tudo que se passa a sua volta, mas é incapaz de processar, incapaz de entender, incapaz de aceitar a corrupção necessária para se crescer, justamente porque seu corpo permanece o de uma criança.

O primeiro incômodo de Aharon tem a ver com o sexo: ele se ofende com as piadas grosseiras dos amigos, o desejo, o olhar para as meninas, as punhetas, tudo isso lhe é estrangeiro, alienígena. Porque seu corpo não deseja nada disso. E porque ele é, de alguma forma, o melhor exemplar da moral israelense da época. Ele não precisa se envergonhar de sua falta de desejo, ao contrário, ele é melhor por ela.

É preciso localizar O livro da gramática interior em seu cenário. Embora tenha sido publicado em 1991, a história se passa entre 1965 e 1967, quando o próprio Estado de Israel não havia chegado aos 20 anos. Israel, antes de existir de fato, foi por muitos anos uma ideia, um conceito, a terra prometida onde jorraria o leite e o mel. Uma concepção que, no entanto, foi idealizada de formas distintas por cada movimento que lutava por sua existência: religiosos, nacionalistas, comunistas, ateus, liberais, patriotas. Aqueles que defendiam a manutenção dos costumes que os judeus traziam do leste europeu ou do norte da África. Aqueles que acreditavam que Israel deveria ser uma terra totalmente nova, livre da mentalidade da diáspora. E nesses primeiros anos, exatamente como um adolescente, o país, e seus habitantes, não sabiam ainda qual caminho seria seguido.

Em meio a esse turbilhão de possibilidades, há algo que norteia a maior parte dos movimentos sionistas até hoje: o peso da retidão moral. A modéstia, o celibato, a abstêmia são valores frequentes, mas não necessariamente por motivos religiosos; sua pregação está muito mais ligada a um nacionalismo ferrenho. A música, as festas, as mulheres e o álcool distraem o jovem soldado, tiram sua mente do que realmente importa: defender um país que está cercado de inimigos por todos os lados.

É com sutileza infinita que Grossman costura sua opinião da matriz fundadora de seu país: ela é ingênua, puritana, idealista, irreal. A Israel de Grossman nunca deixa de ser uma terra sonhada para se tornar um país real e maduro, assim como a adolescência de Aharon permanece sempre potencial, nunca concreta. E é importante notar que essa história é contada em 1991, ano em que o país entra na Guerra do Golfo e participa, em Madri, de uma fracassada negociação pela paz.

A Israel às vésperas da Guerra do Golfo é aproximada daquela que aguarda a Guerra dos Seis Dias, e a história que Grossman oferece é quase ficção científica, ou profecia: ele discute os primórdios de um país que seu leitor já sabe o que se tornou. Ele conta a infância de Aharon para alguém que já o conhece adulto: intoxicado por seu senso de importância, escravizado em sua retidão moral, abandonado sistematicamente por uma juventude que não pode, justamente por ser juventude, corresponder aos seus ideais.

É claro desde o início que o livro é todo metáfora. A narrativa é episódica e as diversas tramas são contadas pelo ponto de vista do protagonista, que não as compreende muito bem, e por isso tudo se torna símbolo, fábula. Como a relação do pai com a vizinha que tem uma ilustração de tourada e lhe pede que derrube, uma a uma, todas as paredes do seu apartamento até ficar louca.

A linguagem é uma prosa poética fluida que alterna de um fluxo de consciência para Aharon a um narrador onisciente para os outros personagens. Em um estilo que lembra Virginia Woolf, o autor passeia pelas diversas interioridades e as mapeia montando ao mesmo tempo um conjunto de microcosmos psicológicos e um quebra-cabeça do país que é o verdadeiro assunto desse livro.

O título é apropriado, já que Grossman é quase matemático ao elaborar as estruturas de seus personagens. O livro é quase um guia, um retrato das regras e estruturas que movem aquelas pessoas, ao mesmo tempo em que é uma história contada toda pelo lado de dentro. Lado de dentro de um menino e um país que ainda não sabem o que se tornarão e parecem, pelo momento, incapazes de saber.