Há sempre um momento na vida em que você reavalia suas escolhas. Como cheguei aqui? É esse o caminho que quero seguir? É mesmo isso que eu desejo para minha existência? Claro, isso pode acontecer em experiências de quase morte, em saltos de penhasco ou, ainda, quando você vai e faz uma crise de abstinência no meio de um museu de arte contemporânea.

Ok, talvez eu tenha sido dramática, talvez eu não tenha realmente deitado no chão em convulsões, nem tido alucinações que envolviam instalações magnetizadas, nem ameaçado de morte a amiguinha. Mas amigo fumante, se há algo que eu não recomendo, é que você esqueça seus cigarros quando vai se aventurar no interior de Minas Gerais.

Novamente, não é que fosse o interior profundo, estávamos a apenas 55 km de Belo Horizonte, mas a distância simbólica não pode ser medida assim tão facilmente.

Mas vamos do início.

Tudo começa quando acordo em São Paulo, às 5 da manhã de uma sexta-feira. O que obviamente quer dizer que meu corpo físico se levantou da cama, enquanto minha mente, minha alma e toda minha vontade de viver seguiam dormindo. Levantei, me vesti, bebi o café enviado pela maravilhosa boa vontade que o universo tem tido comigo este ano e fui para o aeroporto. Embarquei, desembarquei, fiquei 300 anos, 10 meses, 72 dias e 25 horas na fila para alugar o carro, entrei no carro. Fui tomada de uma consciência profunda. Uma epifania que eu não conhecia desde que tomei conhecimento do meu vazio existencial. Eu havia deixado os cigarros em cima da mesa. Mas calma, talvez não? Talvez eu só estivesse sendo paranoica e eles estavam lá, me aguardando?

Chego ao destino. Abro a bolsa. Reviro a bolsa. Mando uma mensagem: “eu esqueci meus cigarros aí né?” “você esqueceu seus cigarros aqui”. Vocês já sentiram a força esmagadora do destino se abatendo sobre vocês? Porque foi mais ou menos o que senti nesse momento.

Brumadinho, MG, é uma cidade com 35 mil habitantes, considerada ainda região metropolitana de Belo Horizonte e sede do Inhotim, a grande explicação de por que eu tinha me enfiado lá. Inhotim é um belo parque e reserva ambiental que é ao mesmo tempo museu de arte contemporânea. Lá se vende pizza, cachorro-quente, coca-cola e picolés, mas não cigarros. Acho um ultraje, me pergunto como as pessoas esperam que você compreenda a violência do mundo atual expressa pela arte quando está privada de substâncias vitais. Ou talvez seja exatamente isso. A angústia da falta que te empurra para uma compreensão mais ampla e verdadeira do fazer artístico. O que quer que fosse, eu estava sofrendo.

Acabado o dia, vamos passar no hotel e sair para comer. Quando sairmos para comer, eu compro cigarros. Ok, é um bom plano. Exceto que todos os lugares para comer são muito mais longe do que eu estaria disposta a dirigir. Bom, comemos no restaurante do hotel e então vamos para o centro achar algum lugar que venda cigarros. Ok, que bom que eu não fumo muito normalmente mesmo, não há risco de morte, apenas alguns surtos psicóticos, acho.

Vamos ao restaurante e… tem um display de cigarros, eu estou salva, nem precisarei ir até a cidade! “Moço, vende cigarros?” “Não, isso é só mostruário” “Só mostruário?” “Sim” “Você não pode nem pegar um dali e me vender, me dar, sei lá?” “Não”. Então vem cá e me responde, por que você deixa isso aí? Por queeeeeê? Só para brincar com meu coração? Isso, meu senhor, configura tortura.

Mas ok, estou bem, estou ótima, estou conformada, vamos comer. “Quer dividir um parmegiana?” “Hum, sim”. “Moço, queremos um parmegiana” “ah, não tem parmegiana, todos os filés foram pro churrasco”, “bom, então macarrão a bolonhesa” “iiiiih, também não tem bolonhesa” “pizza?” “pizza tem” “ótimo, pizza” “ahhh, mas tem um problema… vai demorar uns 40 minutos ainda, tudo bem?”

Tudo ótimo, vou comprar cigarros e já volto.

Me informam que o posto ali do lado teria cigarros. O posto ali do lado, é claro, estava fechado. Mas ok, qualquer boteco vende cigarros, certo? E qualquer cidade do interior tem botecos, inclusive olha um ali. Estaciono o carro e consigo causar um fenômeno magnético em que absolutamente todas as pessoas do bar, todas, sem nenhuma exceção, se viram e olham para nós. “Querida, você está sozinha nessa” me diz minha companhia. Ok, eu já fiz pior. Eu já pulei de um penhasco, sabe? Saio do carro, vou até o balcão (mencionei que estou de sainha nesse momento? pois estou) e pergunto se tem cigarros. Não, não tem. É claro que não tem. O único boteco em todo esse país gigantesco que não vende cigarros. “Mas tem no posto aqui do lado”, “Muito obrigada vou lá!”

O posto estava fechado? É claro que o posto estava fechado. Volto encarando o chão, considerando todas as escolhas erradas que já fiz na minha vida, considerando por que não pensei nos cigarros ainda no aeroporto, por que não quis acender um de manhã? No café, no carro, por quê? Eu estava tão fora de mim assim?

“Moça”, é alguém me chamando, “você quer cigarro?” “Sim! Por favor!” “Faz a volta e a padaria ali tem.” Faço a volta. Dita-cuja padaria é uma portinha que, estivesse eu um pouco só menos desesperada, certamente perderia. Mas achei. E sim, caro leitor, eles finalmente vendiam cigarros!

Comprei um maço que amarei mais que o primeiro filho que jamais terei e voltamos para o restaurante. Fumei um cigarro profundamente amado e entrei, no que fui informada de que o forno de pizza havia quebrado e só nos restava duas opções de janta: o rodízio de churrasco e o bufê de comida mineira que incluía apenas coisas leves como feijoada, tutu de feijão, porco frito e outras coisas. Respirei, movi as mãos em profunda resignação e cacei um pedaço de frango e um pouco de macarrão ao alho e óleo.

Bom, pelo menos estamos voltando para o quarto, o que mais pode acontecer?

“Hum… então, eu fui tomar banho e o chuveiro explodiu” “nunca mais viajo com você” “não posso te culpar por dizer isso.”