Foto: Fábio Motta/Estadão

Morador do bairro de Laranjeiras, Zona Sul do Rio de Janeiro, o jornalista e escritor Flávio Izhaki foi lançado no mercado editorial brasileiro como uma das novas promessas da literatura contemporânea, durante o final dos anos 2000. De lá pra cá, publicou a novela De cabeça baixa (Guarda-chuva, 2008) e o romance Amanhã não tem ninguém (Rocco, 2013), além de contemplar algumas antologias de contos, realizadas no país e no exterior.

Elogiado pela crítica, o escritor carioca não se deslumbra com a grande recepção dada para os seus dois primeiros trabalhos como romancista, principalmente ao último, citado como um dos melhores romances brasileiros do ano, pelos jornais O Globo e O Estado de São Paulo. E aponta em entrevista exclusiva para o Posfácio: “No ato da escrita não importa as eventuais críticas positivas de um trabalho anterior. Quando se começa um novo livro, zera tudo, até porque o autor não escreve para a crítica. Pelo menos não deveria.”

Izhaki lembra-se de já ter pensado, no início da carreira, que pertencia a uma geração de escritores, quando teve seus dois primeiros contos publicados em antologias, em 2004: “Talvez pela juventude, ou pelo momento efervescente gerado por sites, eventos e coletâneas, eu corroborava com uma assertiva falsa de geração. A imprensa tentava enquadrar um grupo de escritores que estava começando num mesmo caldeirão. Mas isso não se sustentou. O que se viu, e o que se vê, é que a trilha do autor é individual e a tal geração é heterogênea demais para ser classificada numa etiqueta.”

Já quando o assunto é a produção literária nacional, Flávio Izhaki avalia: “Eu acho que, em termos gerais, a literatura brasileira vai muito bem, com autores interessantes e heterogêneos produzindo material vasto. Cada um tem seu caminho.”

 

Em seu último romance, Amanhã não tem ninguém, você escolheu falar sobre um drama existencial vivido entre uma família judaica, e que ecoa em diferentes gerações. Como foi construir esse cenário introspectivo que fomenta o mapa psicológico da trama?

Amanhã não tem ninguém trata de finitude (não apenas no sentido de morte, mas de ponto de mudança), de identidade (cultural e pessoal) e memória (não confundir com memorialismo). É natural que, sendo narrado em primeira pessoa, ele mirasse o mundo de dentro para fora, não o contrário, então boa parte da ação acontece fora do mundo, ou já aconteceu. Mesmo quando em alguns trechos é o fato que rege a ação, o que me importava tratar é como cada personagem reagiria. A literatura talvez seja a melhor arte para trabalhar esse vão entre o que se pensa e como se age, e poder pensar sobre isso é fascinante.

 

A polifonia empregada em seu último romance foi uma escolha já pensada desde o início? Como se deu o processo de administrar essas fragmentações de vozes em primeira pessoa que se intercalam ao longo da narrativa?

 Antes mesmo do livro tomar corpo como romance, ele nasceu polifônico. Foi a construção das personagens quem deu o norte para a história. Refletindo durante e depois da escrita do livro, eu sempre imaginei uma sala inicialmente escura que, pouco a pouco, torna-se iluminada pelas personagens. Essa sala é aquela família. E, no caso, elas pediam primeira pessoa. Conforme a escrita avançou, precisei pensar em como organizar os trechos entre si e como um todo. Enquanto escrevia Amanhã não tem ninguém sempre pensava nos personagens como peças que eu precisava movimentar num tabuleiro, quase sempre entrelaçados, conversando mesmo sem diálogos. Por isso o livro tem divisões de capítulos em que duas ou mais personagens se alternam na liderança da narrativa.

 

Amanhã não tem ninguém, além de expor os conflitos existenciais dos membros dessa família, traz algumas características e particularidades da cultura judaica. Qual a sua relação com a religião e por que trabalhá-la nesta obra?

O livro não trata de religião judaica em si, mas do esfarelamento dos significados culturais de geração para geração; possivelmente um leitor que não conheça nada das tradições judaicas pode ler e imaginar sua família ali (especialmente em famílias que migraram para o Brasil, judeus ou não). Escolhi trabalhar a história com uma família judia pois é o mais próximo do ambiente que conheço. Minha família (dos dois lados) veio da Europa para o Brasil durante o século XX por perseguições antissemitas ou buscando uma melhor qualidade de vida. Mas esse não era o eixo que queira trabalhar. Meu livro trata da descendência, da assimilação, não é uma literatura com peso nas costas.

  

Mesmo que se debrucem em histórias completamente distintas uma da outra, percebo que os seus dois livros (De cabeça baixa e Amanhã não tem ninguém) se interligam, a grosso modo, por uma atmosfera de “desilusão”. O primeiro, tendo como extrato um professor universitário que se lança, através de uma editora pequena, e não recebe nenhum tipo de repercussão da crítica; e o segundo, um coletivo fundido existencialmente em suas debilidades, perdas e solidões. Pergunto ao escritor: a realidade é uma desilusão? Será que somos, como dizia o filósofo e poeta francês Gaston Bachelard, “o limite de nossas ilusões perdidas”?

A literatura para mim nasce do incômodo. O trabalho do autor é tentar encurralar essa sensação etérea e entendê-la. De certa forma, cada autor tem seus questionamentos primordiais e, para mim, a desilusão (ou o desencanto – eu prefiro esse termo) é um deles, trabalhado especialmente em De cabeça baixa, situando a palavra no sentido de ruptura entre uma expectativa de futuro e a realidade. Vivemos numa sociedade em que a palavra sonho é insuflada diariamente, por anos, na cabeça dos mais jovens. Quando eventualmente confrontados com a realidade, que nega esse sonho, a queda em algum momento é inevitável.

  

Você já chegou a co-organizar uma antologia de contos há alguns anos, integrando novos nomes da cena literária brasileira. Como surgiu a ideia desse projeto e como se deu a escolha dos autores à época?

O único livro que co-organizei foi justamente o Prosas Cariocas. Eu tinha escrito um conto sobre o Catete para o site Paralelos, e conversando com o Marcelo Moutinho, entendemos que esse mote – contos sobre os bairros do Rio – daria um livro. Ele conseguiu marcar uma reunião na Casa da Palavra, que à época era uma editora que lançava livros sobre paixão por literatura e cidade – e a editora topou o projeto. Em 2004 as coletâneas ainda eram raras, ainda mais de jovens autores numa editora relevante. Procuramos escolher alguns dos autores que estavam mais ou menos na mesma situação que nós – inéditos, como era meu caso, ou com um ou dois livros publicados, como era o do Marcelo. Todos que convidamos toparam a empreitada e o resultado final do livro é bem interessante. Quase todos os que estão naquela coletânea seguiram publicando depois, o que é significativo, já que grande parte tinha menos de 30 anos à época.

 

Eu percebo que, mesmo num momento de grande ebulição e heterogeneidade na produção literária brasileira, ainda existe um vácuo com relação à divulgação dos novos escritores na grande imprensa. Em seu caso, aconteceu de outro modo, mas como parte dessa nova geração de ficcionistas de que forma você enxerga tudo isso?

A literatura, de modo geral, tem dificuldade de espaço nessa chamada grande imprensa, então imagina como é a posição de um novo autor nessa cadeia. Mas não é apenas isso. A grande imprensa está em crise. O Jornal do Brasil acabou, a Bravo não existe mais, só para citar dois exemplos de publicações que eram o sonho de consumo de qualquer autor quando comecei a publicar. A boa nova (nem tão nova) é que a internet como um todo e as redes sociais de modo específico são ferramentas que devem ser exploradas na busca pelo leitor. Mas não como um fim, mas meio. No início se confundia e usava-se o termo escritores de blog. O blog (ou os sites, redes sociais) não são o local apropriado para o romance. O escritor que aposta na internet tem que eventualmente conseguir trazer seus leitores para o livro. Mas nem isso, claro, é garantia de resultado. Mas será que não foi sempre assim? Muita gente com espaço demais hoje vai desaparecer em 10 anos, outros que estão trabalhando em silêncio (voluntário ou não) permanecerão.

 

Qual foi o último livro que mais te impressionou? E por quê? 

Judas, do Amós Oz, pela capacidade de organizar um romance com duas camadas, relações pessoais e contexto político, e o acabamento na construção de personagens. Em termos de livros nacionais, K., de Bernardo Kucinski, pela força simbólica da narrativa, e Diário da queda, do Michel Laub, pelo tom justo que ele encontrou para contar aquela história.

 

Podemos esperar um novo projeto literário ainda para este ano?

Estou finalizando meu terceiro romance, Tentativas de capturar o ar, e acredito que em 2016 ele será publicado.