Woody Allen é possivelmente o maior obsessivo da história do cinema. Ao longo de cinquenta anos de carreira, em um ritmo de um filme por ano, o diretor trabalhou os mesmos temas repetidamente, tentando investigar as implicações das questões que o angustiam.

Dois dos grandes temas de Allen são como encontrar sentido para a vida em um mundo sem sentido e como, nesse mundo sem sentido, manter as balizas morais. O espectador atento já sabe o que deve acontecer quando um homem desiludido encontra uma garota jovem, ou quando um personagem aparece com uma cópia de Crime e Castigo em mãos.

Em Homem Irracional, Woody Allen mistura essas duas linhas e, mais que em qualquer filme anterior, as confunde. É comum que, em seus filmes, o amor apareça como algo capaz de trazer o sentido e a vontade de viver de volta a uma pessoa desiludida: através de um novo relacionamento, os prazeres físicos e momentâneos voltam a parecer atrativos e, embora a vida siga sendo completamente sem sentido, viver torna-se prazeroso. O assassinato, por sua vez, aparece como necessário ou extremamente útil, embora não desejável. Nenhum dos seus personagens tem prazer em matar alguém, mas ele investiga a possibilidade de que um instinto de preservação lhes permita fazê-lo sem muita culpa. Mas aqui as coisas mudam de lugar.

O protagonista, um dos muitos alteregos de Allen, é Abe Lucas, um professor de filosofia deprimido, alcoolatra e impotente, que chega para trabalhar em uma nova faculdade. Lá, ele conhece Jill Polard, uma aluna brilhante, linda e que se apaixona por ele. Mas a possibilidade de deixar Jill entrar em sua vida não é suficiente para estimular Abe, ele continua sem sentir nada pela garota, por mais fins de tarde românticos em faróis isolados que eles tenham. O que o faz retomar o gosto por viver é justamente planejar um assassinato.

Abe se convence de que é por uma boa causa, e a adrenalina de romper a barreira moral é o que finalmente lhe devolve a vitalidade. É uma visão mais trágica e mais pessimista do que em qualquer filme de Allen: é apenas um tipo muito particular, e intenso, de poder, que pode dar sentido à vida do indivíduo desesperado.

A ironia do título e o destino de Abe, porém, posicionam claramente o diretor. Woody Allen, embora se identifique com seu protagonista, desta vez não está do lado dele. De certa forma, Homem Irracional faz um dueto com o filme anterior do cineasta, Magia ao Luar, oferecendo uma abordagem obscura para a mesma questão que o anterior levantava com tanta leveza.

Nos anos recentes, Allen parece estar se tornando um cineasta mais teórico, a filosofia que sempre sustentou suas obras aparece mais articulada e explícita. Um professor de filosofia é uma embalagem natural tanto para os problemas eternos de sua cinematografia quanto para esse movimento. Abe Lucas é um personagem que poderia ser riquíssimo na mão de Woody Allen, no entanto o filme parece pobre e sem vida.

O primeiro problema são os diálogos. É surpreendente e decepcionante ver um filme de Woody Allen em que os problemas se encontram justamente nos diálogos, afinal, são eles que sustentam a maior parte de seus longas. É a verborragia quase histérica e extremamente autoconsciente que faz de Woody Allen, Woody Allen, e aqui ela falha. Os diálogos são óbvios, clichês e pouco inspirados. Em alguns momentos, chegam mesmo a soar artificiais.

Por outro lado, Jill Polard talvez seja uma das personagens femininas mais interessantes que Allen criou nos últimos tempos. Como em Annie Hall, ele equilibra bem o estereótipo com uma vida interior bem construída, colocando-a em um conflito entre como os outros (especialmente os homens) a veem e quem ela realmente acredita ser. Emma Stone, com seu timing e verdadeiro talento para comédia, tem se mostrado uma boa parceira para Allen. Há muito tempo ele não trabalhava com uma atriz tão apta a seu humor.

Além da personagem, há coisas interessantes em Homem Irracional. A relação de Abe com a fantasia de ter um caso com uma aluna, versus a realidade desse relacionamento. A forma como ele parece se sentir mais atraído pela professora quase da sua idade do que pela menina, que lhe dá uma consciência da decadência que ele prefere evitar. Há uma cena em um parque de diversões que estabelece o que poderia ter sido o tema do filme: as quebras entre percepções que temos uns dos outros.

Mas esse não é o tema, o tema é a impossiblidade de sentido e a selvageria da vida. Temas que Allen tratou muito melhor em outros momentos. Mesmo que não fosse uma obra-prima, Magia ao Luar possuía um charme que falta a Homem Irracional: aqui, a premissa é boa, mas falta vida ao filme, falta algo que o destaque dentro da extremamente prolífica carreira de seu autor.

É verdade que Woody Allen vem perdendo o vigor, e mesmo seus melhores filmes recentes não se comparam às grandes obras passadas, mas há pequenas pérolas nessa fase tardia: Blue Jasmine e Meia-Noite em Paris, por exemplo. Há também verdadeiros desastres. Homem Irracional fica em algum lugar entre os dois extremos. Não chega a ser ruim, mas é decepcionante por falhar exatamente onde não se espera que Woody Allen falhe.