Ouvimos que não se deve julgar um livro pela capa. Ouvimos também que não se deve julgar a pessoa de um escritor pela sua obra. Barthes afirma que cada vez mais a pessoa do escritor, com sua história pessoal, deixa de ser importante para a compreensão da obra literária.

Mas como desenlaçar obra e homem no caso de um escritor que tem protagonistas chamados justamente Philip Roth? Como não julgar pela capa um livro que nos apresenta o escritor, grossas sobrancelhas franzidas, olhando severo para seu leitor?

A obra de Philip Roth é extensa, são mais de 30 livros, e variada, embora gravite em torno de alguns temas comuns. O que Claudia Roth Pierpont (que não, não é parente do autor) busca fazer em seu Roth libertado é mapear esses temas, apontar diferenças e destrinchar a relação entre homem e obra.

Nas palavras da autora, seu livro é: “em essência, uma investigação do desenvolvimento de Roth como escritor e uma consideração dos temas, reflexões e linguagens de sua obra”. Em ordem cronológica, ela apresenta uma análise de cada um dos livros escritos por ele e em seguida um panorama biográfico, entremeando vida e obra, a evolução do homem e do escritor.

Há algo de curioso e fascinante na possibilidade de se examinar a obra completa de um escritor ainda vivo. Em 2012, Roth anunciou sua aposentadoria; aos 82 anos, vive semirrecluso, com seus livros e discos, em uma casa de campo no Connecticut. Isso permite à biógrafa-crítica uma posição privilegiada: pode olhar a obra como um corpus completo e fechado e, ao mesmo tempo, conversar com o autor sobre ela, iluminá-la com sua visão.

No entanto, embora diversas horas de entrevista tenham sido conduzidas por Pierpont, ela não se atém ao que Roth fala sobre seus livros, mas oferece suas próprias interpretações, mesmo quando elas discordam do autor ou da maior parte da crítica. Além de sua própria análise, a jornalista faz um pequeno levantamento da repercussão de cada obra e do que falaram os críticos mais renomados na época do lançamento.

É um procedimento importante, uma vez que a relação entre Roth e a crítica literária sempre foi conturbada. É curioso pensar que o homem considerado um dos maiores (senão o maior) escritor vivo teve diversos de seus livros severamente criticados em veículos como o New York Times e a New Yorker. Porém, um dos aspectos mais interessantes da mistura entre vida pessoal e obra é justamente o diálogo que vai se construindo entre críticos e escritor: nos seus livros, Roth responde, ataca e aceita seus críticos. A percepção do público nunca está distante de seus olhos.

Contudo, é fácil ficar fascinado demais na dimensão biográfica de Roth e esquecer que justamente o jogo e o engano são o cerne e o que há de mais inovador em sua obra. O personagem chamado de Philip Roth não deixa de ser apenas isso, um personagem. Embora Nathan Zuckermann seja obrigado a conviver com a fama de ter escrito um livro sexualmente explícito chamado “Carnovsky”, sua biografia não é, ponto a ponto, aquela de seu autor. E, enquanto relaciona biografia e narrativa, Pierpont vai ao mesmo tempo, embora de forma mais sutil, desenhando também o abismo.

O Roth que ela nos mostra é um homem risonho, simpático, afetuoso mesmo. Também é quieto, reservado, mais chegado ao isolamento das montanhas da Nova Inglaterra que ao burburinho de Nova York. Tudo isso contrasta com uma obra melancólica, violenta, barulhenta. A elaboração formal da biografia, a clara diferenciação entre vida e arte, o jogo de adivinhação que se coloca entre escritor e leitor são o melhor de Roth como escritor.

Em entrevista ao Nouvel Observateur, em 1981, ele disse: “Arte é vida, também, sabe? Solidão é vida, meditação é vida, fingimento é vida, suposição é vida, contemplação é vida, linguagem é vida”. Mas a frase ainda seria verdadeira para Roth se a alterássemos para: “vida é arte, solidão é arte, meditação é arte, fingimento é arte, suposição é arte, contemplação é arte, linguagem é arte”. O ponto de Roth libertado é exatamente mostrar como a vida passa pela mente de um escritor e transforma-se em arte, com todos os significados, labirintos e armadilhas da arte.

No entanto, apesar de ser ótima entrevistadora e fazer um trabalho maravilhoso de apresentar a vida do escritor, Pierpont é uma crítica literária menos capaz. Suas análises parecem rasas e, principalmente, mais baseadas em uma percepção pessoal do que na observação cuidadosa dos livros. Há momentos problemáticos, como quando ela afirma que é possível encarar Pastoral americana sem falar de judaísmo, ou quando classifica O animal agonizante como um dos livros esquecíveis do autor. Por outro lado, suas sinopses são claras e ela consegue manter o livro interessante mesmo para os que não leram todos os livros citados.

No final, é um bom trabalho de perfil, embora falho do ponto de vista da crítica literária. Mas um livro fascinante para todos os que já estiveram profundamente envolvidos com pelo menos um dos livros de Philip Roth.