by Syuzo Tsushima

Tudo o que é importante deve ser protegido. Para isso, desenvolvem-se sistemas mais ou menos sofisticados, sendo mais importante a eficiência do que a elegância do arranjo.

Canários foram utilizados durante décadas em minas de carvão como alarmes, por serem mais sensíveis a vazamentos de gás e falta de oxigênio no ar. Desciam os mineiros e uma gaiola com o passarinho. Enquanto o pássaro cantasse, tudo estava bem. Se houvesse silêncio na mina, a evacuação deveria ser imediata.

Infelizmente, para sinalizar o risco, o alarme deveria morrer. Subiam os mineiros, em segurança, e um canário morto.

Meus livros são meus canários, com a diferença que não morrem um por vez. Quando algo está errado comigo, todos os meus livros morrem. Quando eu entro em depressão eu paro de ler. As coisas se desenvolvem lentamente, como gás escapando. Eu primeiro paro de escrever. Em seguida, começo dezenas de livros e empaco em todos. Empilho vários ao lado da cama com um marca páginas nos primeiros dez porcento da história. Meu GoodReads fica ridículo com quase 30 livros na lista dos “Atualmente lendo”. Eventualmente eu largo tudo e digo que estou sem tempo, que o trabalho não tem dado folga e que logo volto. Não volto.

Por isso eu tenho registrado cada livro aberto religiosamente, com data de início e fim da leitura. Em 2011, auge da depressão, não li quase nada. Em 2012 passei dos 40 títulos, mantendo o ritmo em 2013. Já em 2014 nada me fazia passar das duas dezenas. E eu decidi fazer algo para não deixar morrer o canário, o que funcionou bem por dois anos. Talvez estivesse dando certo, mas talvez fosse sorte. Esse ano ele morreu outra vez, levando até a gaiola consigo.

Decidi ler sobre a depressão. Virou praticamente um caso tostines. Estou deprimida por só ler coisas pesadas ou leio coisas pesadas por estar deprimida? Não encontrei resposta. Parei de ler. Desisti.


Eu sou feliz, mas sempre vou ter o “até quando?” pairando sobre a minha cabeça. Ou o “quanto?”, já que ao menos uma vez eu percebi tarde demais que já não havia sobrado muito de mim. Esse é o pior da depressão, a possibilidade infinita de voltar à ela. É a única certeza: você já se sentiu tão mal que preferia em alguns momentos não sentir mais nada, e isso sempre vai continuar ao fundo, ameaçado cada momento bom com um final horrendo.

A minha depressão come os meus dias. Não me sobra quase nada das 24 horas disponíveis e, quando vejo, tudo o que eu tinha que fazer num dia já invadiu o seguinte. E os demais. E as semanas. E eu não me movi.


Alguns textos no Posfácio a respeito de livros que abordam a depressão

A espuma dos dias

As virgens suicidas

O demônio do meio dia

Suicidios exemplares

Noites de Alface