Ídolos são aspirações para vários artistas realizarem grandes obras. Entretanto, muitos desses alentos podem atrapalhar a originalidade dos seus idealizadores, tornando-os uma fadada repetição – uma cópia constante de sua maior fonte de referência. E as musas são fontes de grandes inspirações, às vezes servindo de referência e até piada dos seus realizadores.

Começando pelas famosas musas inspiradoras de cada criador. Por anos e anos houve essa imagem de que uma musa perfeita pode ser a chave para um ótimo trabalho. Nada melhor que o sexo oposto (se você se sente atraído, claro) para inspirar um trabalho irredutível, minimizar todos os detalhes para que nada escape e, talvez, revelar sua grande musa ao mundo. Quando sentia que seu projeto era certeiro, Bergman chamava Liv Ullmann, sua maior musa. Paciente com os estresses do diretor, a atriz sempre dava a volta por cima para tornar sua atuação extraordinária. Ele, por sua vez, escrevia filmes pensando nela como atriz principal, ou para um dos papéis principais (como foi o caso de “Persona” e “Cenas de Um Casamento”) de seus filmes.

Essa parceria rendeu 11 trabalhos juntos, a grande maioria considerada como obras-prima do diretor. O fruto dessa cumplicidade trouxe mais do que trabalhos: a filha Linn Ullmann, apesar dos dois nunca terem casado. Apesar disso as musas não batem Max Von Sydow (“O Exorcista”) em número de trabalhos com o diretor, 13 longas-metragens ao todo no currículo.

Woody Allen mantém a tradição de musas e casos, porém ele troca uma pela outra sempre que pode. Mulheres jovens, sim. Mia Farrow, por exemplo, era sua ex-amante, por quem ele foi completamente apaixonado, e ela foi sua musa durante 13 longas (incluindo “A Rosa Púrpura do Cairo”). Antes de conhecê-la, Woody Allen adorava, contemplava e namorava Diane Keaton, com quem fez nada menos do que oito longas (incluindo “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, uma das obras-primas de Allen, pelo qual Keaton levou o Oscar de melhor atriz). As duas têm em comum serem ex do diretor Novaiorquino. Porém Woody Allen é tão excêntrico que é também muso de si mesmo, atua em seus próprios filmes fazendo o papel de si mesmo. A última musa reconhecida do diretor é Scarlett Johansson, com quem trabalhou em “Match Point”, “Scoop” e o inédito “Vicky Cristina Barcelona”. E olha que essa moda de casar com atrizes os diretores tem de velho, Godard já fez, acredite.

Entre usar musas, Martin Scorsese prefere parcerias duradouras, como fez com Robert DeNiro durante oito longas, valendo indicações ao Oscar de melhor diretor e ator, sem contar a Palma de Ouro para “Taxi Driver”. Hoje o parceiro principal do diretor é Leonardo DiCaprio, que também foi indicado ao Oscar de melhor ator atuando nos filmes de Scorsese e estrelou o único filme com o qual Scorsese ganhou a estatueta de melhor diretor (“Os Infiltrados”). Eles ainda tem dois projetos agendados. Em outros casos, Scorsese escala coadjuvantes constantes como Alec Baldwin e Joe Pesci. Alfred Hitchcock e James Stewart também foram parceiros, juntos fizeram quatro trabalhos: “Festim Diabólico”, “Janela Indiscreta”, “O Homem Que Sabia Demais” e “Um Corpo que Cai”. Não há dúvida que essa parecia deu certo: quatro filmes com direção e atuação impecáveis.

Seguindo o contexto de ídolos, falo sobre Woody Allen outra vez: “Match Point” tira a comédia e traz um drama/suspense com boas atuações e Scarlett Johansson, garantia de público e até crítica. A película traz um ambicioso tenista, Chris Wilton, que têm gostos extravagantes que não coincidem com sua condição social. Ele conhece a filha de um grande empresário e logo em seguida uma atriz americana, Nola Rice, por quem se apaixona. O filme mostra a ascensão de Chris no mundo dos negócios e seu caso com Nola. Cansada de ficar em segundo plano, a aspirante à atriz coloca Chris em cheque para que fique com ela e abandone sua mulher. Entre a luxúria e o conforto, ele escolhe o conforte e decide matar a amante. Depois do crime Chris vive com culpa e é assombrado pela memória e pelo fantasma de Nola. Entretanto, voltando alguns anos na carreira do diretor encontramos “Crimes e Pecados”, um filme de suspense e traição com um toque de existencialismo, questões sobre amor e ódio, ambição e realização. Nesse filme não é apresentada toda a trajetória de sucesso e traição de Judah Rosenthal (Martin Landau). Aqui o oftalmologista é chantageado pela amante, interpretada por Anjelica Houston, a largar a mulher ou ela revelará o caso e todas as falcatruas que o fizeram enriquecer, isto é, o ponto de virada de “Match Point” é o pontapé inicial desse longa. Judah toma a mesma decisão que Chris e também acaba assombrado pela culpa. Essa assombração aparece também no novo longa do diretor, “O Sonho de Cassandra”, mas aqui a amante não é dos protagonistas e mesmo assim a culpa de um assassinato assombra seus feitores.

Isso lembra alguma coisa? Dostoievski! “Crime e Castigo” é um dos livros favoritos do diretor e nesses dois exemplos surge como grande inspiração. Não é à toa que em “Match Point” o protagonista é visto várias vezes lendo o livro. Quer dizer que Woody Allen não sai da sombra de seus ídolos? Talvez. Ao invés de adaptar, ele homenageia e se aprofunda nos temas propostos pelo escritor e pelo seu personagem Raskolnikov. O diretor brinca com essas inspirações no ótimo “A Última Noite de Boris Grushenko” de 1975, onde além da história principal ser inspirada em “Guerra e Paz”, ainda traz pequenas referências a Bergman e Fellini e uma descarada a Dostoievski no diálogo entre Grushenko e seu falecido pai.

Os filmes de Quentin Tarantino trazem traços de outros diretores como Godard, Leone, de Palma, etc., que podem ser facilmente reconhecidos, mas não sugam a história para torná-la plágio. As histórias são de autoria do diretor de Pulp Fiction e suas referências são usadas habilmente para complementar e não para sustentar. Outras servem para ilustrar situações, os personagens de Tarantino citam diversas fontes para sustentar suas teorias e idéias (como Bill em “Kill Bill Vol. 2” que usa a mitologia do Super-Homem para explicar a personalidade da personagem de Uma Thurman). Muitos diretores trabalham com pequenas homenagens em seus filmes, porém são pouco perceptíveis se compararmos com as mais explicitas de Quentin Tarantino.

No cinema brasileiro também existem essas referências e homenagens. Em “O Bandido da Luz Vermelha” é facilmente notável a influência da Nouvelle Vague e principalmente de filmes do diretor francês Jean-Luc Godard. Carlos Reichenbach usa diversas referências em seus longas: “Garotas do ABC” traz homenagens a Fritz Lang (M, o Vampiro de Dussendorlf principalmente).

Todavia podemos dizer que os ídolos são aspirações constantes, mas que muitas vezes é difícil sair de suas sombras. Tim Owens era vocalista de uma banda cover de Judas Priest, quando seu ídolo Rob Halford saiu da banda original, ele fez o teste e foi escolhido para assumir os vocais (isso inspirou o filme “Rock star”, que só não teve os nomes verdadeiros divulgados por veto dos membros do Judas Priest). Durante os anos de trabalho, Tim nunca conseguiu sair do fantasma que Halford deixou na banda e quando uma reunião com a formação original foi cogitada, ele foi logo descartado. Assumiu também os vocais do Iced Earth logo após a saída de Matt Barlow e outra vez saiu para deixar lugar ao original. Essa sombra constante nunca o deixou mostrar sua identidade, apesar de muitos considerarem sua voz impecável.

Tudo isso me lembrou o episódio de “Os Simpsons” que Homer decide ser inventor e seu ídolo é Thomas Edison. Apesar de várias tentativas frustradas ele finalmente inventa algo útil, mas descobre que seu ídolo também o havia feito e não a patenteou. Temos que tomar cuidado para que nossas inspirações não suguem nossa originalidade. É realmente difícil separar originalidade, inspiração e cópia.