O livro conta a história de um ícone da juventude dos anos 90: Kurt Cobain. Diferente de muitos, nunca fui chegado ao som e estilo “grunge”, preferindo até coisas mais pesadas de décadas anteriores. Seguindo um estilo narrativo de “Quando Nietzsche Chorou”, pesquisa factual e toques de imaginário narrativo, Cross cria uma trama cronológica que conta desde o nascimento do líder da banda até o dia em que suas cinzas foram jogadas por sua filha nos fundos de sua casa. Acontece que, além da história conhecida, há uma profunda análise dos diários e cartas nunca enviadas por Kurt. Detalhes e confissões íntimas em descrições deturpadas.

Citações detalhadas de shows, jornais da época, preços de objetos, coisas adquiridas, apresentações, vídeos censurados (alguns no YouTube), etc. Sem contar os títulos de cada capítulo com alguma citação (com títulos ou trechos de música e até pequenas frases que Kurt soltou pela vida). As analogias à cultura pop americana durante as descrições de cada situação que ocorria com Kurt e seus envolvidos e um quê de “Gilmore Girls” são pontos altos.

Em muitos momentos Kurt chega a ser retratado como um artista e tudo que quer é transformar suas fissuras e medos em arte, e muitas das descrições chegam a dar um caráter doentio e perturbador. Todavia ele era amante de arte; no livro podemos ver o quanto ele gostava de música, livros e filmes, muitas vezes citando vários (aliás, uma das curiosidades do livro é quando Kurt viu a primeira vez Courtney sem perceber, em um filme underground dos anos 80).

Muitas vezes a descrição e conclusão sobre sua personalidade tende a ser depressiva e pessimista, mostrando um rapaz totalmente introvertido, o que muitas vezes poderia se julgar contrária ao seu comportamento no palco e em entrevistas (e até mesmo Dave Grohl, ex-baterista e líder do Foo Fighters, diz que o livro retrata um Kurt Cobain diferente do que ele conheceu: triste e deprimido. Grohl não participou do livro em nenhum momento). Muitos dos traços apresentados que levam ao estado de introspecção de Kurt são totalmente compreensíveis. Primeiro pela sua infância em um lar destruído, onde queria um padrão de família perfeito, mas estava longe disso. Trocar de casa com freqüência e muitas vezes morando em carros e barracos. Entre os muitos momentos apresentados da vida de Kurt, os mais sufocantes são sua batalha para conseguir drogas, principalmente heroína que de acordo com Cross diminuia as dores de estomago do cantor (aparentemente ilustradas na canção Pennyroyal Tea: “Sit and drink pennyroyal tea, distill the life that’s inside of me“), e todos à sua volta querendo sua reabilitação. “Trainspotting” vem à cabeça (aumentando com a idéia de colocarem Ewan Mcgregor no papel principal em um possível filme baseado nesse livro), ainda mais quando existe um fio de esperança sobre reabilitação.

A forma como Cross endeusa o relacionamento entre Kurt e Courtney incomoda muitas vezes. Mesmo com as cartas colocadas a mostra para o leitor, muitas poderiam ser interpretadas de diversas maneiras, assim como as músicas de Kurt mais herméticas. Quando chegamos ao final do livro temos um desfecho piegas que acaba com a descontração e o ‘suspense’ levado por quase todas as páginas.

O acerto de Cross nessa visão interna, que tenta construir a partir de documentos de Kurt, serve para analisar como ele se tornou ícone da geração dos anos 90: a geração X. Jovens sem batalhas para travar ou protestos como nas décadas anteriores, onde muitos pregavam a liberdade e faziam passeatas pacíficas. Essa geração que vive em dois extremos, esses que eram passados com a música da banda Nirvana, toda ela composta por seu líder. As músicas traziam a liberdade esperada por jovens rebeldes sem uma causa. As contradições de uma geração, como o próprio livro retrata: Kurt era vítima de suas histórias, que eram muitas vezes mistificadas e outras vezes contraditórias (devido a sua bipolaridade), ainda mais com os fatos e entrevistas que Cross conseguiu. Sem contar a constante luta de Kurt para levar a banda ao topo e sua postura de não parecer à vontade com tanta fama. Vivendo suas ambições, mas fugindo delas constantemente.

Algumas das coisas que me fizeram simpatizar com Kurt e até com a mulher dele é os dois gostarem de Andy Kaufman. Anos mais tarde Courtney interpretaria a mulher do comediante, que Kurt adorava imitar, no filme “O Mundo de Andy” com Jim Carrey e dirigido por Milos Forman (mesmo de “Amadeus” e “Um Estranho no Ninho”). Quando Kurt e Courtney se conheceram, caíram no chão como se em uma luta livre, isso é mostrado no filme: Andy Kaufman e Lynne Margulies se conheceram em um ringue de luta livre. O álbum “Automatic for the People” do R.E.M., que contém a faixa “Man on the Moon” em homenagem a Kaufman, foi o que, aparentemente, Kurt ouviu antes de cometer seu suicido.

As homenagens ao líder da banda no cinema não ficaram para trás, “Last Days” de Gus Van Sant, mostra os últimos dias de um jovem roqueiro de Seatle, Blake (baseado claramente em Kurt e interpretado por Michael Pitt) e sua não-luta com uma depressão. O projeto existia a quase dez anos no papel, mas Van Sant queria total consentimento da viúva. Após muito tempo decidiu fazer uma quase biografia que resultou em um dos filmes mais profundos e espirituais feitos pelo diretor. O que era considerado mais um capítulode seus filmes minimalistas como “Gerry” de 2002 (um dos melhores filmes daquele ano que infelizmente tive minha fita emprestada e não devolvida) e “Elefante” de 2003. O filme é co-estrelado por um dos ídolos de Kurt: Kim Gordon, do Sonic Youth. “Kurt Cobain: Sobre um filho”, dirigido por AJ Schnack, é baseado nas entrevistas via telefone de Kurt Cobain a Michael Azerrad. Apesar de classificado como documentário, ele não revela coisas obscuras ou informações sobre o estrelato do líder do Nirvana. É uma confissão, mostrando a bipolaridade do músico, em alguns momentos odeia todas as pessoas e em outros não liga para ninguém (não existe uma definição de sua simpatia ou apatia com as pessoas). Para quem gostaria de ver fotos ou vídeos inéditos será infeliz essa escolha, pois as imagens exibidas, ao melhor lembrete de Baraka e outras produções nesse formato, mostram apenas os lugares aonde Kurt cresceu e começou a tocar; porém nos créditos finais algumas fotos aparecem para satisfazer os fãs. Aleatórias, claro, e às vezes, por uma infeliz coincidência, conseguem ilustrar o que é narrado pelo cantor. Quem conhece e é fã da banda acaba desligando-se das imagens e ficando admirado ao ouvir a versão do próprio Kurt para o estrelado e infância.

Para os fãs de Nirvana com certeza uma nostalgia baterá bem forte ao ler, para os não fãs é bem possível criar uma simpátia por Kurt Cobain. Ou Kurdt Kobain? ou seria Kirk O’ Bane (essa última eu deixo para os curiosos procurarem)?

CROSS, Charles R. Mais Pesado que o Céu. São Paulo: Editora Globo, 2002. 544 págs. Preço sugerido: R$49,90

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