Até um ewok sabe que, quando George Lucas criava a sua mitologia (não confundir com a sua cagada), o seu livro de cabeceira era O Herói de Mil Faces, do Joseph Campbell. Dizem até que diversas vezes o Lucas mostrou o roteiro pro mitólogo perguntando “é assim?” “tô fazendo direitinho?”

E, se tu parar pra analisar e comparar as duas obras (considerando apenas os episódios IV, V e VI), dá pra perceber que a trilogia clássica é quase um filme do livro O Herói de Mil Faces.

Mas, caso tu não queira parar pra analisar, leia este post. É bem mais mastigadinho.

O CHAMADO DA AVENTURA

Na mitologia, a jornada do herói se inicia com o “chamado da aventura”. O arauto do destino pode ser qualquer coisa, desde um sapo, um cervo na floresta ou até mesmo uma unidade R2 reclamona com uma mensagem que fala “Ajude-me, Obi-wan Kenobi. Você é nossa única esperança.” .

Quando a história de Guerra nas Estrelas inicia, ocorre uma batalha espacial entre as forças maléficas da escuridão (o Império Galático) e as forças do bem (a Aliança Rebelde). A princesa Léia envia um pedido de ajuda para o cavaleiro Jedi Obi-wan (Ben) Kenobi, no planeta Tatooine. A mão do destino, no papel de negociadores jawa, faz com que a mensagem chegue nas mãos de Luke Skywalker, um jovem fazendeiro. Quando ele recebe a mensagem, ele é colocado em uma busca para salvar a princesa e a galáxia.

O AJUDANTE SÁBIO

O herói deverá antes encontrar os Guardiões do Limiar, seres que bloqueiam o caminho para a aventura. Luke enfrenta os Guardiões do Limiar quando é emboscado e atacado pelos Tusken Raiders e é resgatado por Ben.

Muitas vezes o herói pensa que não pode embarcar no caminho da aventura sem um auxílio sobrenatural, na forma de um sábio, que providencia itens e conselhos durante a busca. Ben cumpre este papel, e ainda dá para Luke um artefato especial: o sabre de luz de seu pai.

Ben ainda interpreta a mensagem de R2D2 e fala sobre um grande poder espiritual: a Força. Luke resiste ao chamado da aventura, mas quando descobre que sua casa fora queimada e que sua família fora assassinada, ele se une a Ben na jornada até o porto espacial de Mos Eisley para conseguir transporte até Alderaan, o lar da princesa Léia.

O LIMIAR

O herói deve deixar sua vida familiar para trás para iniciar uma jornada da infância até a vida adulta e para uma nova vida. O porto de Mos Eisley é o limiar de Luke para a aventura. Lá ele encontra perigo, mas também encontra um herói-parceiro na figura de Han Solo, um pirata contrabandista. O imediato de Han Solo é o wookie Chewbacca. Animais ajudantes freqüentemente aparecem em contos de fada, simbolizando a força do instinto natural do herói.

Durante a viagem até Alderaan, Ben começa a treinar Luke nos caminhos da Força.

NO LABIRINTO

Um labirinto sempre simbolizou a dificuldade da jornada rumo ao desconhecido e, de uma forma ou de outra, é sempre incorporado na busca do herói. Quando o grupo chega nas proximidades de Alderaan, descobrem que o planeta foi destruído pela Estrela da Morte, uma estação espacial gigantesca. A Estrela da Morte é um labirinto tecnológico: um labirinto de corredores, passagens, salas, corredores sem saída e poços sem fundo.

Como cavaleiros tradicionais, Han e Luke vestem armaduras para cumprir sua primeira missão heróica: salvar a princesa em perigo.

MISSÕES HERÓICAS

O próximo passo na busca do herói é o combate mortal. Os heróis experimentaram um ritual de passagem na Estrela da Morte e resgataram a princesa. Agora Léia leva Luke e Han até a base rebelde para planejar um ataque à Estrela da Morte. Luke se une aos pilotos da Aliança Rebelde. Ao vestir o uniforme, Luke coloca de lado sua identidade jovem para assumir um novo papel: um piloto heróico, pronto para sacrificar sua vida em prol de sua causa.

No fim, o bem triunfa sobre o mal e os heróis são reconhecidos por seus atos valorosos. Este momento é o fim de uma aventura, mas também representa o início do próximo estágio: a iniciação no caminho de provas.

O CAMINHO NEGRO DE PROVAS

Na metade do caminho da jornada do herói existe um longo e perigoso caminho de provas, testes e experiências penosas que trazem importantes momentos de iluminação e entendimento. Várias vezes no caminho monstros devem ser mortos e barreiras, ultrapassadas. Finalmente, o herói deve realizar a temível jornada da descida até as trevas. Apesar da Estrela da Morte ter sido destruída, os poderes da escuridão não foram derrotados. O Império perseguiu os rebeldes até o planeta gelado de Hoth, onde os heróis encaram novos perigos, desde criaturas predadoras ao clima inóspito, e são forçados a fugir durante um ataque imperial.

O VENTRE DA BALEIA

Um motivo mítico particular é o “engolimento” do herói por um grande monstro. Isto representa a entrada em um mundo místico onde transformações ocorrem, e a escapada final representa um renascimento espiritual. Han e Léia são perseguidos por Star Destroyers imperiais e TIE fighters quando deixam Hoth. Para escapar, Han pilota a Millennium Falcon para dentro de uma “caverna” em um asteróide, que acaba por ser a boca de uma imensa minhoca espacial. Aqui Han e Léia finalmente abrem seus corações para o amor. Vader também passa por uma mudança neste ponto, quando ele emerge da sua câmara de meditação. O Imperador aparece para ele através de uma mensagem holográfica e Vader é revelado como um servo das forças malignas do Império, ao invés de seu mestre supremo.

A ÁRVORE SAGRADA

A Árvore Sagrada é outro motivo mítico; ela representa uma situação onde o herói é transformado. Povos antigos acreditavam largamente que a árvore era cheia de energia criativa. Florestas vieram a simbolizar mistério e transformação e eles eram lares para feiticeiros e encantadores. Quando Luke deixa Hoth, ele viaja para o planeta Dagobah, para iniciar um treinamento com o mestre Jedi Yoda. A marca de Dagobah são suas árvores imensas e de formas estranhas. Florestas também podem simbolizar a mente inconsciente, onde existem segredos a serem descobertos e talvez emoções sombrias a serem confrontadas. Nesta floresta, Luke enfrenta uma imagem de Vader, antecipando seu combate com o Senhor do Lado Negro que aconteceria mais tarde na história.

SACRIFÍCIOS

Abrir a mente e o coração para o conhecimento espiritual requer um sacrifício por parte do herói. Nesta parte difícil e perigosa do caminho do herói, Han e Luke reafirmam o significado e importância de suas vidas pela disposição deles em se sacrificar. O perigo da ilusão é simbolizado pela Cidade das Nuvens sobre o planeta Bespin. A princípio, a cidade aparenta ser transcendental, enquanto flutua por entre as nuvens, mas possui a escuridão dentro dela, que se torna uma provação de dor e de traição para os heróis. Vader segue a Millennium Falcon até Bespin, onde ele atrai Luke para uma armadilha. Han é capturado, colocado em hibernação na câmara de congelamento em carbonite, e levado pelo caçador de recompensas Boba Fett para ser entregue para o antigo chefe de Han, Jabba, o Hutt. O amigo de Han, Lando Calrissian, que traiu Han em favor de Vader, irá passar por uma mudança de vida e iniciar sua própria jornada heróica.

A TRILHA DA COMPENSAÇÃO

A jornada do herói às vezes inclui uma ‘busca pelo pai’. Após muitos desafios e experiências penosas, o herói encontra seu pai e começa compreender melhor como ele pensa e concorda com ele. Este processo é chamado compensação. Luke tenta seguir os passos de seu pai como um piloto heróico e cavaleiro Jedi. O lado negro e desconhecido de seu pai, e dele mesmo, é descoberto enquanto Luke confronta Vader nos corredores escuros da Cidade das Nuvens. Vader revela para Luke que é seu pai. Luke percebe que deve se sacrificar, em vez de se tornar uma ferramenta do mal como Vader. Léia resgata Luke enquanto ele cai por um fosso da Cidade das Nuvens, e quando Vader chama Luke através da Força, Luke o chama de ‘Pai’ – eles iniciaram o caminho da reconciliação. Luke reconheceu o seu próprio Lado Negro como parte de seu destino, e Darth Vader iniciou sua própria jornada em direção à transformação.

O RETORNO DO HERÓI

O ‘retorno do herói’ marca o fim do ‘caminho de provas”. O herói deve retornar das suas aventuras com o fim de beneficiar sua sociedade. Luke volta para Tatooine para resgatar Han de Jabba, o Hutt. Esta não é uma transição simples para Luke; suas novas habilidades como um cavaleiro Jedi são contestadas tanto pelos amigos quanto pelos inimigos. Durante a história, todos os personagens passam por mudanças: Han é retirado de sua tumba de carbonite, Lando se redime pela sua traição ao ajudar no resgate de Han e Léia garante o fim do reinado tirano de Jabba ao destruí-lo.

A SOMBRA SE ERGUE

Os heróis não são os únicos que podem passar por mudanças e renascimento. As forças do mal também podem recuperar seus poderes e crescer com novas forças. Enquanto os rebeldes continuam a sua luta contra a tirania imperial, o Império está construindo uma nova Estrela da Morte. Um confronto final deve acontecer. As forças do bem, representadas por Mon Mothma, líder da Aliança Rebelde, e as forças do mal, lideradas pelo Imperador, se reagrupam para planejar suas estratégias. Luke descobre que Léia, que o guiou e o apoiou durante a sua jornada, é sua irmã gêmea. Em muitos aspectos isto representa seu bom ‘anima’, a personificação dos aspectos femininos de sua psiquê. Ele também descobre que deve enfrentar Vader novamente. Quando se contactam mentalmente, através da Força, Vader aparenta estar mais incerto que agressivo – um sinal de que ele está iniciando uma transformação.

A FLORESTA ENCANTADA

Os habitantes de uma ‘floresta encantada’ podem ser perigosos ou prestativos. O herós deve saber qual magia para evocar seus poderes de proteção. Luke ganha a ajuda dos Ewoks, os pequenos habitantes peludos da lua florestal de Endor. Os Ewoks provam que os heróis podem vir em qualquer forma e tamanho. Eles combatem a alta tecnologia do Império com troncos, pedras e cipós. O ambiente verdejante e sua harmonia com a natureza fazem um contraste com a tecnologia fria e austera do Império. Os Ewoks ajudam os rebeldes a desativar o gerador do escudo da Estrela da Morte, para que Lando possa voar para dentro da Estrela da Morte e destruir o gerador central. Enquanto isso, Luke descobre que deve trilhar um caminho diferente do de seus amigos para tentar chegar à parte de Vader que ainda é seu pai e para tirá-lo do Lado Negro da Força.

O CORAÇÃO DAS TREVAS

Os heróis devem, finalmente, adentrar ‘o coração das trevas’, o reduto do mal, para destruir a sua fortaleza. Quando Han e Léia finalmente destróem o gerador de energia do escudo, Lando e Wedge adentram a Estrela da Morte para atingir o gerador central da estação espacial. Enquanto o conflito continua em volta da Estrela da Morte, Luke luta contra as forças do mal dentro da Estrela da Morte, onde ele trava um conflito espiritual em sua batalha de vontades contra o Imperador.

A VITÓRIA FINAL

A destruição do mal nem sempre é alcançada através da força física ou da esperteza. Sempre há a esperança que aqueles que se entregaram às forças do mal possam ser redimidos. Em seu confronto com Vader e o Imperador, Luke vence não através de suas habilidades como guerreiro, mas através de um apelo ao coração de seu pai. É Vader quem mata o Imperador para salvar seu filho. Máscaras são freqüentemente partes de rituais míticos, e a máscara de Darth Vader faz parte de sua personalidade maligna. Quando ele pede para que Luke remova sua máscara, representa a sua libertação de seu papel, uma libertação que vem a ele apenas no momento da morte. Ainda, este gesto é também uma afirmação de vida, a abertura final entre pai e filho. Enquanto os rebeldes e os Ewoks celebram sua vitória sobre o Império, Luke queima o corpo de seu pai em uma pira funerária. O espírito do pai de Luke, Anakin Skywalker, se junta aos espíritos de Ben e de Yoda. Luke alcançou o triunfo final da jornada do herói mítico – ele trouxe de suas aventuras os meios de se restaurar a sua sociedade.

O FIM DA JORNADA

No final, a humanidade triunfou sobre um sistema repressivo, monolítico, e Luke, através de sua jornada de herói, abriu seu coração para a compaixão e foi bem sucedido ao seguir um caminho espiritual entre a luz e as trevas, bem e mal.