Jack é um poeta norte-americano (e também o narrador da história) que está na Cidade do México vivendo à custa de uísque barato e é apaixonado por uma prostituta viciada em morfina, chamada Tristessa. A pequena história é dividida em duas partes: “Trêmulo e Casto” e “Um ano mais tarde…”.

Na primeira parte vemos o relacionamento ambíguo entre Jack e Tristessa. Nas primeiras linhas Jack descreve uma viagem de taxi e dá os pequenos detalhes da cidade imunda, de seus becos, seus viciados, mendigos e prostitutas, até chegarem a seu destino: o quarto sujo e deteriorado de Tristessa. Um recanto cheio de animais (gato, cachorro, galinha, galo, pomba), comida pelo chão e com o fiel fornecedor de drogas El Índio. Há também Cruz, irmã de Tristessa, que permanece deitada numa espécie de cama vivendo sua doença, acordando aos berros, bebendo e vomitando.

Enquanto o traficante permanece em um transe interminável, saindo apenas para conseguir mais drogas, um pouco de comida e para continuar injetando morfina com uma agulha cega e um esforço homérico. As ações que ocorrem no quarto são intercaladas com a narração de como Jack foi parar até ali, como as coisas aconteceriam em outro lugar e diversas pequenas histórias que servem de referência ao momento presente. Jack ainda procura dentro de si mesmo um balanço espiritual para chegar ao Nirvana, fazendo amizade com os animais da casa e conversando com eles.

A índia é bela por exalar uma melancolia apaixonante. Hipnótica e pulsante, não apenas pela sua dança ou pelo seu vicio; tudo que ela faz, minimamente, parece ser retirado de uma poesia: carregada de paixão e tristeza, longe do alcance e, mais do que nunca, um retrato sobre os sentimentos mais contrastados da depressão humana. A intensidade e densidade com que é descrita a faz uma musa aquém da perfeição. Os contrastes aparecem na descrição que ora passa por Tristessa, ora pelos seus credos (a imagem da Virgem e suas rezas). Dessa maneira, Jack ama Tristessa, mas com receio de reivindicar sua castidade – seu voto de espiritualidade.

Na segunda parte do livro, um ano se passou desde que Jack deixou a Cidade do México para trás (de acordo com o título dado, afinal, dificilmente podemos acompanhar um tempo exato, já que estamos seguindo os pensamentos narrativos de Jack). Agora temos uma presença maior de Bull, amigo de Jack, que permaneceu na cidade. Tão pouco chega, o narrador percebe que seu amigo se apaixonou por Tristessa, assim como El Índio. Jack quer resgatar Tristessa do vicio que se tornou fatídico e não mais expõe sua beleza, mas seu infortúnio. A desilusão de Jack começa a crescer, e agora amor e desamor são os contrastes, amor e ódio que se conciliam para ajudar na busca por uma salvação ou redenção da personagem-título. Não podemos esquecer que o consumo de drogas não é usado como alegoria ou êxtase, não existe glamour ou disfarce. Aqui presenciamos o ápice de um usuário: o fundo do poço, a falta de saída e a total entrega ao consumo.

Essa jornada puxada pelo fluxo de consciência de Jack não é simples, é profunda e depressiva, tangente à espiritualidade do ser e do estar. O crer é questionado indiretamente. Como é narrada de uma forma autobiográfica (apenas os nomes são mudados), temos um encontro com o verossímil.

Tristessa é latejante, junkie e poético. É um livro difícil de descrever ou resenhar, não podendo se prender apenas a um tema específico, passagem ou trechos – ele está o tempo todo vendo além do que nossos olhos querem enxergar. A visão entorpecida sobre o comportamento humano, influenciado pelas drogas, se choca com a espiritualidade e o que há de belo na tristeza do mundo.

Ao final somos convidados, através de uma passagem linda, a mostrar nosso papel nesse imenso filme.

(…) Vou comprar um piano e me morzartear – vou escrever histórias tristes e compridas sobre as pessoas na lenda de minha vida – Este é meu papel no filme, vamos ouvir o seu.

KEROUAC, Jack. Tristessa. Porto Alegre: Editora: L&M Pocket, 2006. 100 págs. Preço Sugerido: R$6,00.

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