Apesar de nunca ter lido um livro do Quintana, tenho aqui no PC inúmeras citações do seu famoso Caderno H e outros vários poemas de sua autoria: o suficiente pra me tornar um fã incondicional de sua obra e considerá-lo o maior poeta brasileiro, superando muito alguns dos mais famosos e renomados.

Mário Quintana ganhou o título de “O poeta das coisas simples” pois, despreocupado com a crítica, fazia poesia porque “sentia necessidade”, segundo suas próprias palavras. No entanto, não considero justo esse título. Não há nada de simples nos poemas de Quintana, muito pelo contrário: existe ali um significado profundo por trás de cada palavra, visões do mundo e da vida traduzidas em versos complexos, porém de vocabulários simples; costumo dizer que Quintana tem um poema para cada momento da vida, tamanha é a variedade de seus temas!

Seus ‘Quintanares’, como ele próprio intitulava seus versos, tinham, na maioria das vezes um quê de pessimismo, tragédia, ternura, mas tudo tratado com muita ironia e sarcasmo, talvez até um pouco de humor-negro – se essa não for uma expressão muito forte. Alguns bons exemplos do que digo:

Das Oferendas
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos…
Trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.

Dos Milagres

O milagre não é dar vida ao coro extinto,
Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo…
Nem mudar água pura em vinho tinto…
Milagre é acreditarem nisso tudo!

Evolução

O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.

Da Discrição

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também…

E esses são só alguns exemplos, pequenos poemas e citações feitas de maneira irônica e divertida, sempre tratando de coisas nada otimistas e nem um pouco fáceis de lidar: vida, morte, amor, fé…

Talvez, o melhor modo de se conhecer Quintana seja lendo as citações de seu
Caderno H (“Todas as coisas acabam sendo escritas na última hora, na hora h, na hora final”, M. Quintana, justificando o título do livro): textos curtos, enxutos, minimalistas, onde ele escreve o máximo com o mínimo de palavras. Mas, como infelizmente ainda não li o livro todo, apenas alguns trechos esparsos pegos pela internet, o melhor mesmo é ver o que Quintana achava de si próprio, nesse texto que escreveu para a revista IstoÉ de 14/11/1984:

“Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas… Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.

Nasci no rigor do inverno, temperatura:  1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu… Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros? Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Verissimo – que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.”

Pra dar mais um gostinho, aí vão alguns trechos do Caderno H:

A Coisa
A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa… e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.

As Indagações
A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.

Arte Poética
Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um.

Das Escolas
Pertencer a uma escola poética é o mesmo que ser condenado à prisão perpétua.

Destino Atroz
Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando ele os escreve e, por último, quando declamam os seus versos.

Do Estilo
O estilo é uma dificuldade de expressão.

O Assunto
E nunca me perguntes o assunto de um poema: um poema sempre fala de outra coisa.

O Trágico Dilema
Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.

Poesia & Lenço
E essa que enxugam as lágrimas em nossos poemas com defluxos em lenços… Oh! tenham paciência, velhinhas… A poesia não é uma coisa idiota: a poesia é uma coisa louca!

Pois bem, minha estante que aguarde. Espero que dentro em breve ela esteja ostentando os livros de Quintana (todos, nem que sejam aos pouquinhos), afinal, não importa o que dizem, Quintana pra mim é o maior! Seus versos poderiam, sim, ser simples, mas o poder por trás de cada um era imenso!

(Esse artigo é da autoria de: João Victor (Snaga). Para ler mais coisas do dele, clique aqui)