A tecnologia um dia suprirá todos os anseios da consciência humana? Será que um dia o ser humano poderá fugir da morte ou pelo menos matar o seu medo de morrer. Afinal a morte é a única certeza da vida, do ventre até sete palmos, o que existe no meio vai de cada um, mas além nunca. Dessa forma podemos usar “A Invenção de Morel” como um verdadeiro questionamento de até onde o homem pode chegar com a tecnologia.

Seguimos o diário do personagem principal, nunca nomeado, o qual nos revela ser um fugitivo da polícia venezuelana e que está escondido em uma ilha inabitável e misteriosa. Em certo momento pessoas começam a surgir na ilha, mas aparentemente pouco se importam com o malfeitor. Ele acaba apaixonando-se por uma morena chamada Faustine que, assim como todos os outros novos habitantes, não interage ou reage as investidas do personagem. Entretanto ele não desiste e acompanhamos sua obstinação em entrar em contato.

Podemos concluir que o mundo do homem, sem a interação, não existe. Ou pior, que o mundo é cheio de pessoas que não se cruzam, mesmo se cruzando. Que todos nós ignoramos vez ou outra alguém indesejável a nós ou um mendigo. A verdade é que nossa visão ignora, nos tornamos cegos para o que queremos. Crianças fingem não sentir dor para desafiar o pai que lhe dá uma chinelada. Seríamos os seres que existem apenas de sensações e interações? Sinto, ergo sum.

Perco a vista. O tato se fez impraticável; minha pele cai; as sensações são ambíguas, dolorosas, procuro evitá-las.

Na verdade a falta de contato com os diversos moradores da ilha deve-se a Morel. O cientista da ilha que tinha como maior ambição superar Deus, não apenas criando novas pessoas, mas perpetuando a vida. Explico: a invenção de Morel é uma máquina que capta tudo de uma pessoa desde seus sentidos até seus mais simplórios movimentos (como um filme se pudéssemos cheirar ou degustar), porém sem uma consciência, uma pós-vida sem essência (ou uma alma, talvez? Apesar de sabermos que Bioy é ateu), onde há uma projeção (como o mito da caverna de Platão, sendo bem risível). O fugitivo quer sair da ilha para encontrar a verdadeira Faustine, mas depois de descobrir que todos que participam desse grande ‘filme’ estão mortos, acaba por querer estudar a máquina e incluir-se nesse mundo, talvez paralelo ou mesmo morto.

Através de uma escrita elegante Bioy nos entrega uma obra que aborda assuntos atemporais: o homem que quer ser Deus, a tecnologia como estopim para uma idéia de eternidade e superação das leis da natureza e o amor platônico. Todavia, não devemos esquecer o personagem-fantasma que faz observações no diário do personagem principal, um editor que coloca diversas observações sobre o que foi escrito, explicitando a inutilidade e atrocidade que gera a invenção de Morel.

Ao final da leitura dinâmica, que devoramos com os olhos rapidamente, chegamos a um dilema que nos encosta à parede: entregaríamos a vida por algo que desejamos incontrolavelmente? Pois aqui não temos Mefistófeles para realizá-los, temos uma invenção feita por nossas próprias mãos que pode nos tirar a vida e deixar-nos no limbo da existência humana. Viver eternamente sem vivenciar mais nada, na prisão da vida eterna.

Jorge Luis Borges classifica a obra como perfeita, eu no máximo, posso parafraseá-lo.