Considerar a guerra um marco em que se passariam a usar “antes” e “depois” para situar eventos no tempo não pode ser considerado uma superestimação das mudanças que ela propiciou? Esse é mais ou menos o questionamento que René Remond faz no capítulo referente a Primeira Guerra Mundial do livro O Século XX: de 1914 aos nossos dias. Contudo, essa não é a obra sobre a qual quero me deter por alguns momentos, mas sim a obra Nada de novo no front, do alemão Erich Maria Remarque.

A obra, publicada em 1929, e adaptada já em 1930 para as telonas pelas mãos de Lewis Milestone; embora não se pretenda um libelo, como o autor faz questão de escrever antes mesmo de iniciar sua narrativa; “(…) procura mostrar o que foi uma geração de homens que, mesmo tendo escapado às granadas, foram destruídos pela guerra.” (p. 8)

Erich Remarque fez parte da geração que viveu na pele os horrores da terrível guerra de posições nas trincheiras, durante alguns anos dos quatro em que ocorreu a Primeira Guerra Mundial. Os relatos contidos no livro fazem transparecer um evento tão traumático que serviu para unir aqueles que dele foram vítimas em uma espécie de camaradagem tão forte, que Remarque não poupa a descrição (não-escatológica) de uma conversa de amigos durante suas necessidades fisiológicas. Porém, não se pode pensar na guerra como uma fábrica de camaradagens, mas sim de cadáveres, como as estatísticas conhecidas e os relatos aterradores de Remarque nos mostram, evidenciando as piores manifestações do choque entre nações e imperialismos que culminaram com o trágico conflito que assolou a Europa entre 1914 e 1918.

Dono de uma sensibilidade explorada através das situações mais constrangedoras e bizarras, o autor faz questão de pôr o dedo na ferida para materializar com suas palavras toda a imbecilidade da guerra. Isso fica evidente quando ele fala sobre o estado de nervos dos soldados do front, sobre os prisioneiros russos, sobre o soldado francês morto na terra de ninguém, sobre o sentimento de não-pertencimento frente ao que ficou atrás do front, aquilo pelo que os soldados, em tese, estariam lutando.

O livro é pontuado por uma espécie de “humor negro” (embora o autor não esteja, de maneira alguma, querendo rir do horror pelo qual passou); e pela “licença poética” que Remarque tem para falar daquilo tudo, daquele limbo que fica entre os inimigos e sua terra natal, a pátria alemã, no caso de Paul Baumer, o protagonista do livro. O fato do autor ser uma vítima direta do conflito lhe dá um conhecimento mais profundo sobre o que foi o cotidiano nas trincheiras.

Através de Kropp, amigo de Baumer, Remarque denuncia com sarcasmo como os soldados que expunham-se a granadas, bombardeios, balas e condições precaríssimas; não estavam nada interessados no conflito:

No seu entender [de Kropp] uma declaração de guerra deve ser uma espécie de festa do povo, com entradas e músicas, como nas touradas. Depois os ministros e os generais dos dois países deveriam entrar na arena de calção de banho e, armados de cacetes, investiriam uns sobre os outros. O último que ficasse de pé seria o vencedor. Seria mais fácil e melhor que isto aqui, onde quem luta não são os verdadeiros interessados. (p. 40)

A obra em questão, escrita nos noites insones em que o circo de horrores da guerra desfilava pela mente de Remarque, quebra radicalmente com a visão romântica e heroicizada muitas vezes construída pela guerra trazendo a vista de todos o que foi a experiência de sentir o hálito da morte e estar atolado na lama das trincheiras, buracos que se tornaram as sepulturas de muitos soldados. Tão crítica com relação à guerra foi a obra que, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, na Alemanha nazista, os livros de Remarque foram queimados em praça pública.