O Senhor dos Anéis, Silmarillion, Star Trek, Star Wars, Detective Comics, Marvel, Os Herculóides, Space Ghost, Capitão Marvel, Alan Moore, Planeta dos Macacos, Dungeons & Dragons, Stephen King, Ultraman, Watchmen, Matrix, e por aí vai. Essas são só algumas das referências nerds presentes em A fantástica vida breve de Oscar Wao, do dominicano Junot Díaz.

Mas não se engane, elas não vem simplesmente para dar estofo a personagens ou para mostrar o conhecimento da cultura nerd por parte do autor (embora elas dêem um ritmo todo especial para a trama), elas são o instrumento que o autor usa para tratar da história pouquíssimo conhecida da República Dominicana. Elas servem de metáfora para a situação complicadíssima de um país que serve como exemplo de muitos outros casos América Latina afora.

Seu ponto de partida é o fukú, espécie de maldição, que assola a família de Oscar Wao (o sobrenome é fruto de uma pronúncia equivocada de Wilde) e que tem como origem, Rafael Leônidas Trujillo Molina, um dos mais cruéis ditadores que a América Latina conheceu. A partir desse plot é que Yunior, o narrador da história, começa a relatar como o fukú de Oscar originou-se e como ele interferiu na breve vida desse, atravessando as gerações da família com leveza e ritmo.

O livro consegue aliar a história particular de Oscar Wao e sua família a história dominicana, com um sarcasmo digno de mestre que dá o tom engraçado do livro, partindo do micro-universo da família de Oscar e dialogando a todo momento com o macro-universo da realidade dominicana. Com mordacidade e sem poupar palavrões (em português e espanhol) Junot Díaz traça um panorama histórico sobre a cruel ditadura Trujillista, ora no corpo do texto ora nas notas de rodapé, descrevendo personagens conhecidos de todo esse processo, evidenciando o pouco conhecimento que se tem sobre essa História, desde presos políticos e “desaparecidos” até de chefes de Polícia secreta e figurões do governo, criando através dos símbolos nerd’s e pop’s uma visão instigante e questionadora sobre a realidade dominicana e caribenha.

A originalidade de Díaz está na referência que ele faz a cultura nerd nos mais diversos momentos do livro, comparando a avó de Oscar, La Inca, a Galadriel, pois parecia não envelhecer; ou Trujillo a Sauron; e a própria República Dominicana a Mordor. Oscar Wao entra nisso tudo emblematicamente como a minoria da minoria. Ele é um dominicano que passa um tempo nos Estados Unidos, sofrendo com o preconceito a estrangeiros (ainda mais latino-americanos); agravado pelo fato de sofrer de obesidade e ter problemas de sociabilidade, levando-o a um grau de nerdice extrema.

A história se divide em capítulos descontínuos em tempo e espaço, que alternam narrativas em primeira e terceira pessoa que fornecem à história da família de Oscar uma maleabilidade e ritmo deliciosos que se ramifica em diferentes períodos da história dominicana, durante e após o Trujillato, criticando estereótipos “latinos” e mostrando como há heterogeneidade na América Latina. Em alguns momentos do livro parecia estar escutando o Holden Caufield falando.

Oscar Wao traduz as dificuldades dos dominicanos não somente em relação a sua condição atual mas também acerca de seu problemático passado, passeando pelas gerações e mostrando como a marginalidade  (fukú?) dominicana é sim algo presente e pungente no cenário mundial moderno.

Um livro que consegue agradar não somente latino-americanistas como amantes e entusiastas das culturas pop e nerd, assim como tolkienianos (com direito a referências a queda de Gondolin, Balrogs, élfico e Morgoth). Não à toa é que o livro foi agraciado com o Pulitzer de Ficção em 2008. Altamente recomendável.