João Ubaldo Ribeiro é escritor e jornalista, autor de Viva o Povo Brasileiro, Sargento Getúlio, O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos, entre outros. Ganhou diversos prêmios de literatura, incluindo o Prêmio Jabuti e o Prêmio Camões. Em 1993 foi eleito o sétimo acadêmico a ocupar a cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras. Além da literatura, João colabora com diversos jornais nacionais e internacionais.

1) O que o inspira a escrever?

A palavra inspiração me parece um pouco amadora. Eu acho que a maioria dos escritores que vive de escrever são poucos, mas também se inclui nisso os que têm como escrever sua atividade pessoalmente principal: esses são muitos. Eu acho que para esses escritores a palavra inspiração tem o significado no máximo restrito à visão ou experiência de cada um, mas de modo geral é uma coisa meio amadora. Não sei o que me traz inspiração. O que me traz inspiração, na verdade, é o fato de escrever desde que aprendi e ter me tornado um profissional do escrever, ou seja, no jornalismo fazendo crônicas ou como jornalista repórter, redator, etc. No jornalismo e na literatura. Eu podia dizer com algum cinismo, e exagerando um pouco, que um cheque de uma editora me inspira muito, mas eu não estaria muito longe da verdade. Se você fizer essa pergunta a muitos escritores profissionais que vivam da pena ou não, se você disser: “Um cheque lhe traz inspiração?”, acho que a maior parte, sinceramente, diria “Sim.” e partiria para fazer aquilo que teria sido encomendado pelo emissor do cheque.

2) Quais autores nacionais e estrangeiros você admira?

Muito difícil, eu não vou enumerar. Eu li tanto quando era jovem e tantos autores foram e são os meus favoritos de tudo quanto é canto que eu não vou dizer. Seria um rosário de coisas.

3) Qual livro seu você mais gosta? Por quê?

Não tenho assim um favorito. Se eu tivesse… não… eu ia dizendo agora que se tivesse um critério diria que gosto desse ou aquele ponto de vista. Gosto de todos. Foram feitos com toda a honestidade, com todo empenho, botei tudo que podia botar. São obras feitas com pelo menos tanta autenticidade quanto eu tenha ou tenha podido mobilizar. Essa expressão é um pouco pomposa: “todos representam um momento da minha obra”, mas na falta de melhores palavras é isso mesmo. Um momento da minha obra e da minha vida. Eu gosto de todos igualmente, costumo dizer que é como filho: a gente não tem muita preferência.

4) Analisando o cenário atual, como você enxerga o futuro da literatura?

Eu estou com uma preguiça horrorosa de responder isso. Quem sabe o futuro da literatura? O contar histórias que é o que a literatura muitas vezes faz, no fundo faz sempre. Se você espichar o conceito de contar histórias, até a poesia pode se encaixar aí num sentido muito grande. Se bem que alguns poetas, mais especiais, pudessem reagir a isso, mas vamos esquecer a reação deles. E dizer que a poesia também, de certa forma, conta alguma história ou pelo menos conduz ao estado de alma ou estado de percepção, de sensibilidade ou de, enfim, de êxtase. Sempre haverá contadores de histórias. Não importa de que forma eles contem essa história. Enquanto houver palavras, haverá literatura. Não vamos esquecer, por exemplo, que as duas grandes obras fundadoras da nossa literatura, a Odisseia e a Ilíada, não foram escritas, foram decoradas, daí a invenção da métrica e posteriormente da rima para facilitar a memorização. Enfim, não sei do futuro da literatura. Se você perguntar o futuro do livro, também não sei. Literatura persistirá de alguma forma.

5) Por que é tão comum o leitor brasileiro dizer que não gosta de literatura nacional?

É comum os brasileiros não gostarem de nada daqui do Brasil. A começar pela língua. A mesma coisa você ouve em relação ao cinema brasileiro e assim por diante. Não há o que fazer. As pessoas aqui prefeririam ser americanas. São culturalmente colonizadas, é natural até que isso aconteça. Somos naturalmente colonizados pelos países desenvolvidos mais próximos de nós, no caso principalmente os EUA, a Europa também é próxima, mas os EUA tem uma presença muito forte. Não gosta porque não gosta de nada daqui. Não vai gostar de literatura brasileira.

6) Escrever em outros idiomas muda o estilo ou a voz do autor?

Isso depende do autor, se ele tem um alterego ou um heterônimo que escreva em outra língua. Pode ser que altere a voz dele ou até pelo menos a certo nível, não sei se é possível que um sujeito altere tanto sua voz, seu estilo, a ponto de ficar irreconhecível. Acho que seria possível em pequena escala, mas em escala maior não. Eu não escrevo, já traduzi dois livros meus. Já escrevi alguns artigos, algumas coisas em inglês, e não acho que no meu caso muda a voz ou o estilo. Vladimir Nabokov escrevia muito bem em inglês: como se sabia não era falante nativo, não sei se ele escrevia da mesma forma na língua mãe dele. Provavelmente sim. A mesma coisa de Joseph Conrad.

7) Como é receber reconhecimento dentro e fora do Brasil?

É bom, principalmente para quem, como no meu caso, pretende viver ou vive de escrever. Quem vive de escrever, evidentemente, tem a oportunidade de ganhar melhor do que quem não é reconhecido. Se o sujeito tem sucesso em determinada área, é evidente que ele tenda a atrair mais atenção. Como diz um amigo meu, “é uma faca de dois legumes”. Porque o sucesso às vezes pode comprometer o autor, em excesso, pode em certos casos, se houver uma determinada fraqueza ou fragilidade, no artista, no autor no caso, ele pode ceder ao impulso de conservar a vida boa que conseguiu atingir usando alguma receita que ele ache que é do sucesso. É possível que ocorra em alguns casos, isso até prejudica a criação artística, ou como poderíamos chamar de pureza artísticas. O reconhecimento acarreta o perigo de o sujeito, que é objeto desse reconhecimento positivo, acreditar demais nos elogios que fazem a ele e deixar isso subir a cabeça de uma forma nociva. Também pode acontecer do sujeito ficar metido a besta e perder um pouco o senso de realidade, digamos assim. É bom ser reconhecido e deve se encarar isso com todas as reservas. O fato do reconhecimento dos contemporâneos é muitas vezes fugaz: o sujeito às vezes estoura, principalmente hoje em dia, fica famoso nos 15 minutos dele, como diria o Andy Warhol. Vemos as pessoas ficarem famosas no Youtube ou na própria televisão por alguns meses para depois nunca mais serem vistas.

8 ) Por falar em reconhecimento, como foi tornar-se imortal da ABL?

É muito bom ser da ABL. Eu sou um membro relapso da academia, porque compareço pouco, mas não é por não gostar, às vezes é por causa de alguma crônica que tenho que fechar no dia da sessão, às vezes, reconheço, por preguiça e comodismo. A academia é um lugar extraordinário, onde há uma convivência boa com gente de alto nível, bem humorada, simpática, cujo convívio é sempre enriquecedor. Existe a frase que eu não sei de cor de Machado de Assis: A glória que eleva, honra e consola [Esta glória que eleva, honra e consola.]. É verdade. É bom estar lá. Já coroa, reconhecido; gente com quem conversar, amigos muitas vezes solidários. E é uma instituição que todos nós podemos nos orgulhar, porque a academia presta muitos serviços à cultura brasileira, desde publicações, premiações e assim por diante. Enfim, uma gama enorme de serviços. A academia não é uma entidade pública, é privada. E é muito [bom?] pertencer a academia, eu gosto.

9) A ironia é uma arma de ataque ou de defesa? Existem limites para usá-la?

Essa pergunta, não se aborreça não, acho meio boba. Porque a ironia é um instrumento não só da escrita, mas da própria conduta social, ela pode ser expressa até com gesto ou expressão facial. É até comum isso. Algum amigo disser alguma coisa sentenciosa e fazer uma cara assim de “sim, senhor, muito bem”, por ironia dizendo que ele acabou de descobrir a pólvora. Até certas frases que as mães dizem aos meninos quando descobrem uma besteira: “bonito, hein”, quer dizer que “bonito” é uma ironia. Ou seja, ironia é um instrumento usado com maior ou menor eficácia por todo mundo. Escrevendo, tanto faz se é para atacar ou para defender. E o limite para o uso da ironia, isso sim existe, porque muita gente não entende. Isso acontece muito em crônica: às vezes você escreve ironicamente e o leitor entende aquilo literalmente. E aí dá confusão. É preciso ser cuidadoso com o uso de ironia.

10) Qual é o maior tabu do povo brasileiro?

Não sei o que quer dizer isso. É o Vitória da Bahia nunca ter sido campeão brasileiro, embora já tenha chegado perto. Isso é um tabu que tem que ser quebrado.

10 1/2: Livro que não fica em pé sozinho, não presta. (comente essa frase do seu pai)

Isso é uma das coisas com que eu vou ter que conviver o resto da vida. Porque é a enésima vez que eu esclareço que isso não é uma coisa que meu pai dizia sobre meus livros. Eu explico sempre. Quem brincava dessa forma era meu avô, João, o português, que dizia isso para curtir com a cara do meu pai, porque meu pai era professor, chegou a escrever um tratado de direito administrativo, mas isso já depois da morte do meu avô. Antes disso ele escreveu teses, monografias e tal, tudo livro fininho. Meu avô gozava do meu pai dizendo que livro sério se sustenta de pé. Quem me deu a ideia de escrever um “livrão” não foi meu avô, nem meu pai, foi Pedro Paulo Sena Madureira que, na ocasião, era editor da minha editora da época. Ele de brincadeira disse: “Escritor brasileiro só escrevia livrinho para ser lido na ponte aérea”; ele queria ver um livrão. E eu disse: “Você quer ver um livrão?”, e aí escrevi, não tanto por coincidência, mas também com essa intenção, o Viva O Povo Brasileiro, que é um livrão.