Como é bom reencontrar velhos amigos, não? Essa é a sensação que tenho toda vez que pego O apanhador no campo de centeio para ler, parece um velho amigo com o qual não conversava há muito tempo e folheando o livro posso “conversar” com ele novamente, mesmo que, em linhas gerais, eu já saiba o que ele vai dizer.
Bem, isso é uma meia-verdade, já que, mesmo conhecendo o enredo, as falas etc. sempre há algo com que se surpreender, novamente ou pela primeira vez. Esse é o grande trunfo desse livro, essa sensação de estar realmente batendo um papo com o protagonista-narrador da história, tamanho o tom de conversa direta com o leitor que a “fala” dele se coloca. Não sou uma pessoa que tem por costume fazer releituras (tenho que mudar isso) mas esse livro está no campo das exceções.
Publicado em formato de livro em 1951, a obra O apanhador no campo de centeio é daqueles livros que figuram nas listas “os 100 mais”, “os 500 melhores” ou “não-sei-quantos livros que você tem que ler antes de morrer”, e não à toa, diga-se de passagem. A história se passa no fim de semana depois que Holden Caufield é reprovado no colégio Pencey e vaga por Nova York às vésperas do Natal, quando tem que voltar para casa e enfrentar a ira dos pais.
Essa experiência, ora agitada ora solitária de Caufield cresce em importância conforme exercício de reflexão por parte do autor, mesmo que o relato dele não pareça isso de forma nenhuma. Andando por bares, bailes, hotéis e um monte de situações hilárias, Holden vai desferindo seu humor ácido e sarcástico para todo o lado, chamando um bocado de gente de cretino, dizendo que isso ou aquilo é deprimente, que tal coisa lhe deu vontade de vomitar e por aí vai.
Holden ilustra o adolescente/jovem que se vê oscilando entre o mundo infantil e o mundo adulto, como se essa fase da vida fosse um limbo, um casulo de preparação e nostalgia, em que a tenra infância assume o ar de refúgio e segurança, e o mundo adulto a incerteza e a indefinição, além de um modo de vida que, em muitos casos, Holden provavelmente chamaria de cretino.
Ele vaga solitário pelas ruas e a gente segue ele em seus pensamentos, suas divagações e as dúvidas malucas dele. A história é acolhedora e as opiniões dele são sinceras, é praticamente impossível não se deixar levar pelo tom engraçado da história e pelas piadas e visões de Holden acerca das coisas, fora de brincadeira.
A jornada de Holden é um walkabout urbano e moderno, um rito de passagem que tolhe as memórias infantis e as arrasta no turbilhão da mudança, na iminência da inadaptação, aquele momento de dúvida pelo qual as pessoas passam quando não estão no meio de algo e pensam sobre o que farão a seguir. Esse sentimento é tão forte e tão bem escrito no livro, que é quase impossível não se identificar com Holden e suas angústias, afinal, esse é um sentimento universal, que ganhou proporções gigantescas na chamada modernidade.
Palmilhar os passos de Holden é uma experiência dessas que te deixam pensativos, que te fazem, quem sabe, querer ser um apanhador no campo de centeio também. Querer impedir que mais pessoas caiam no abismo que se esconde no fim do campo, impedir (como bem diria o Holden) de tornar-se um cretino.
Independente desse título constar em listas e mais listas ou de esse livro estar na mão do assassino de John Lennon, leia-o, partilhar dos pensamentos do Holden é uma experiência reveladora e divertidíssima. O difícil é não sair por aí usando as gírias e os modos de falar do Holden.
o engraçado é depois de ler o livro ficar com algumas expressões na cabeça (pelo menos sobre a tradução), tipo “no duro” que o holden usa um monte hehe
adoro esse livro, preciso reler, btw.
Certeza, agora que acabei, assim, há menos de uma semana, ainda estou falando: “no duro”, “fora de brincadeira”, “um bocado”, “pra chuchu”, “deprimente” e por aí vai.
Tornei a minha leitura de O Apanhador no Campo de Centeio anual. Já li três vezes e ano que vem vou ler de novo.
o uso das hipérboles tb me fizeram rir um bocado.
bela resenha! a propósito, ainda esta semana petê rissatti entrevistou jorio dauster, um dos tradutores do apanhador, e comentava: “Em entrevista ao Correio Braziliense o senhor disse que se fosse rever O apanhador no campo de centeio, convocaria um painel de jovens para ajudá-lo”.
http://peterissatti.com/conversas-tradutores/jorio-dauster/
@JLM
nem me fale nisso, tive que me segurar várias vezes enquanto lia no ônibus, para não fazer papel de maluco, hehehe.
As hipérboles são fantásticas: ele fala que odeia a palavra “excelente” mais do que todas as outras, e algumas páginas depois ele fala que odeia uma outra palavra (que não me lembro agora) mais do que todas as outras, hehehe.
O Holden é cem por cento, não tem como não gostar dele, fora de brincadeira.
Excepcional esse livro. A cena final, da irmã dele no carrosel, ainda permance vívida na minha memória.
Excelente resenha, Lucas. Parabéns!
Bacana mesmo a resenha.
Também considero o Holden um “velho amigo”.
Na verdade às vezes acho que ele sou eu mesma, em tempos idos. =)
Muito interessante a resenha! Parabéns Lucas. Gostei muito da história, pena que ainda não tenha lido o livro, mas com certeza pretendo fazê-lo assim que for possível.
Lucas,
parabéns pela bela resenha.
Sou quase um quarentão, li “O Apanhador” pela primeira vez com a exata idade do protagonista, aos 16 anos, no segundo grau do Colégio Salesiano de BH. Isso em 1987.
Esse livro mudou minha vida.
A atmosfera da tradicional família mineira. cheia de dogmas, conservadora, reforçada pela educação hermética do colégio católico me proporcionou uma rápida e fácil identificação com Holden.
Mergulhei em seu mundo e em sua perspectiva crítica à sociedade pequeno burguesa de forma intensa.
Acho de que certa forma eu aspirava a mesma liberdade que ele viveu naqueles 2 ou 3 dias em Nova York. Posso dizer que fiz um pouco daquilo, com minha existência.
Sempre usei várias das expressões de Caufield, “algo que o valha” e “cretino” sempre foram as preferidas.
Sempre tive vontade de reler a obra e observar se o impacto seria o mesmo.
Pois bem, acabei de reler. E o fiz quase de uma sentada só. Não conseguia parar de ler.
Foi uma viagem no tempo, descobri com alegria que a mesma força do livro que me impactou aos 16 anos continua ali, aos 40…
Dei boas risadas em passagens deliciosas. Minha esposa quis saber do que se tratava, li alguns trechos em voz alta e ela disse que eu me pareço com Holden. Isso a fez começar a ler o livro.
Por tudo isso me sinto íntimo de Caulfield…
A obra de Salinger é imortal.
Quem não leu deve ler o mais rápido possível…
Abraços,
Allysson M. Oliveira
@Allysson M. Oliveira
que bom saber que tem gente lendo (minha resenha, mesmo ela sendo já bem antiguinha) e o livro do Salinger. As angústias, alegrias e frustrações do Holden nos perseguem em maior ou menor monta, é quase impossível não ser afetado pelo livro. A história é contada com tanta sinceridade, com tamanha leveza sem cair na vulgaridade, que não tem como não querer chutar tudo uma hora dessas e sair vagando sem destino durante uns dois ou três dias. O Holden consegue nos capturar não somente pela vivacidade que tem (a construção desse personagem é de uma maestria invejável) mas também pelo fato de que nós mesmos estamos atados em laços e mais laços de obrigação e deveres, sejam eles quais forem, que são temporariamente suspensos quando mergulhamos na aventura errante do Holden.
Já está na hora da minha releitura, falando nisso! =)