Ontem publicamos uma lista de melhores leituras do ano de acordo com nossos colaboradores e convidados que ficou bem variada – Bolaño, Hornby, Ishguro, Krakauer até roqueiros como Patti Smith e Ozzy Osbourne – e até com títulos inéditos no Brasil. Hoje é a vez da equipe Meia Palavra montar sua lista das melhores leituras do ano.

Aproveitando a lista: Qual foi o melhor livro que você leu no ano?

Pips: Ano passado elegi A Invenção de Morel (Adolfo Bioy Casares) como a melhor leitura, e olha que tive diversas surpresas como Ulisses, Trilogia Suja de Havana, Doutor Passavento, entre outros. Esse ano tive o prazer de finalmente conhecer Mia Couto (Terra Sonâmbula), J.M. Coetzee (Desonra), Cees Noteboom (Paraíso Perdido) e Imre Kertész (Liquidação e Kaddish), livros geniais que vou reler com o tempo e conhecer outras obras desses autores (assim espero); fiquei feliz em conhecer outros romances de Lourenço Mutarelli, conhecia apenas O Cheiro do Ralo, e me decepcionei com Solar, do Ian McEwan. Todavia, a obra-prima do ano para mim foi Os Detetives Selvagens (Los detectives salvajes, 1998) de Roberto Bolaño (esse ano li dele: Estrela Distante, Noturno do Chile e estou na terceira parte de 2666). Um livro poético, e também debochado, ácido e delirante. Artur Belano e Ulises Lima são dois reais-visceralistas que estão em busca de uma poetisa desaparecida. É uma biografia em fragmentos – temos diversos narradores e depoimentos diferentes na segunda parte da história – , não de uma pessoa, mas de uma geração que quer marcar seu tempo presente através de um vanguardismo, não para as próximas gerações, mas aqueles que não conhecem a força da poesia. Esse romance me lembrou muito um dos meus livros favoritos de Cortázar: O Jogo da Amarelinha, e Vila-Matas disse: “Um fecho histórico e genial para O jogo da amarelinha de Cortázar […] uma fenda que abre brechas pela quais haverão de circular novas correntes literárias do próximo milênio.”; simplesmente fantástico e com certeza Borges e Cortázar aprovariam.

Tiago: Não sou um homem de listas (mentira: todos os meus textos aqui no Meia são listas!), mas preciso difundir o fato de que “O Canhoto ou a Pulga de Aço” de Nikolai Leskov (1831-1895) é realmente um livro muito, mas muito lendário. Tudo se passa quando a corte russa recebe de presente dos ingleses uma pequenina pulga mecânica – tão pequena que precisa de um “pequenoscópio” (essa é uma das inúmeras invenções lexicais que Leskov vai fazendo ao longo do texto) para vê-la. Confiantes nas habilidades de seu próprio povo, o czar pede para que um grupo de artesãos faça alguma maravilha que supere a pulga de aço. A solução é tão boa e tão engraçada que eu me recuso a revelá-la aqui! A tradução sai aqui no ano que vem, se a Editora 34 não enrolar muito.(Tá bom, tá bom: eu não vou me conter. Tambémo que li e re-li este ano e que indico fervorosamente Ubik, do Philip K. Dick, todos os contos do Borges, além de uma parte dos poemas; El Tercer Reich do Bolaño – que aqui virou um consenso -; El Aire, de Sérgio Chejfek, Big Sur do Kerouak, Foe do Coetzee, etc etc etc. Livro bom é o que não falta!)

Luciano: Uma escolha ainda pior de ser feita do que a do ano passado. Fresán, com seu ‘El Fondo del Cielo’, e Kertész (dessa vez com o ‘Kadish para uma Criança Não Nascida’) novamente disputam a minha preferência, mas agora semam-se a eles Amós Oz (com ‘Rimas da Vida e da Morte’ e ‘Uma Certa Paz’, Ismail Kadaré com ‘Concerto no Fim do Inverno’ e o dramaturgo francês Bernard-Marie Koltès, com ‘A solidão dos campos de algodão’. É com um misto de pesar (por não escolher nenhuma das outras opções) e alegria que eu fico com o albanês e seu ‘Concerto no Fim do Inverno’. Kadaré criou uma história bastante complexa, com um humor cáustico mas que é contaminado por uma beleza sutil.

Lucas: A Leste do Éden (John Steinbeck). Pode-se talvez dizer que ao tentar alçar vôos mais altos rumo a posições filosóficas mais concretas, Steinbeck tenha tido menos êxito do que quando esteve mais no concreto do que no abstrato. Talvez sua crueza narrativa de relato seja mais prolífica que suas investidas mais reflexivas sobre a natureza humana e seus dilemas. Contudo, apesar disso tudo, devo dizer que A Leste do Éden foi top1 de 2010. Steinbeck consegue agregar reflexões de outros livros e apresentá-las sob novos questionamentos e uma busca incessante por compreender os desdobramentos da existência humana nos delírios e nos compromissos do livre arbítrio, usando de referências (Leste do Éden: local onde Caim matou Abel, nomes dos personagens etc.) e construindo um painel (de certos rasgos épicos) das transformações da sociedade estadunidense em sua tortuosa caminhada rumo a contemporaneidade.
Menções honrosas: O Inverno de Nossa Desesperança, Ratos e Homens e As Vinhas da Ira (John Steinbeck), A Insustentável Leveza do Ser (Milan Kundera), Morte em Veneza (Thomas Mann) e Pantaleón e as Visitadoras (Mario Vargas Llosa).

Kika: A sombra da guilhotina – Hilary Mantel: Já escrevi sobre este livro aqui mesmo neste espaço, logo no início do ano. Hilary Mantel juntou em sua obra uma história interessante, bem conduzida, modos diferentes de narrativa, Revolução Francesa e ambientação baseada em fatos e documentos históricos. Um prato cheio para mim. É um daqueles livros para ler devagar, com calma, para absorver a quantidade absurda de informação que contém.

Liv: Só Garotos – Patti Smith: Geralmente eu não leio biografias. Principalmente de pessoas que eu mal conheço. Só Garotos veio para mim ao acaso, como todos os livros que eu resenho. Com ele, eu conheci a versão feminina de Dom Quixote, Patti Smith. Desenhista, cantora, poeta, artista. Um livro feroz, ágil, sensível, romântico e cativante. A história de Patti, é um pouco da história de cada um de nós, sonhadora e livre, ela foi a senhora do seu destino e fez desse, a minha melhor leitura do ano.

Izze: Aconteceu em Blackrock, do irlandês Kevin Powell, pode parecer só mais uma história sobre os adolescentes da elite de Dublin. Mas o que acontece com esse grupo de garotos de uma conceituada escola particular da cidade envolve muito mais do que intriguinhas jovens e diversão. Na verdade, Aconteceu em Blackrock é um drama envolvente e forte sobre o que esses jovens fazem hoje e até a que ponto vão as consequências. Para entender melhor, um narrador conta um caso polêmico em que um jovem promissor e seus amigos espancaram um ex-colega na frente de uma danceteria, o que o levou a morte. Esse narrador, que não conhecemos, tenta entender o que causou esse ato de violência, traçando perfis completos de cada personagem envolvida. Embora seja uma ficção, Powell realizou uma pesquisa de casos reais de violência entre jovens, e retrata bem esses adolescentes ricos e consumistas que não pensam além do prazer. Leitura mais do que recomendada e com um final que com certeza vai surpreender a todos.

Palazo: Ao pensar sobre a melhor leitura do ano o livro de John Carlin, Invictus, aparece no topo da lista. O livro pode ser encarado como mais uma biografia sobre Nelson Mandela, mas o autor vai muito além. A trajetoria da prisão ao líder político ganha um ingrediente especial, a Copa do Mundo de Rugby na África do Sul, evento que torna-se o centro do livro e de toda a luta de Mandela contra o apartheid. O jogo de Rugby sempre foi amado pelos brancos e odiado pelos negros por ser o símbolo do regime de apartheid na África do Sul, e foi de forma quase que incompreendida que Mandela lutou para que os negros “esquecessem” o passado e torcessem pelos “nossos garotos” na Copa do Mundo de Rugby. É um livro recheado de depoimentos marcantes, de antigos inimigos e companheiros de Mandela. EU iniciei a leitura por admiração a Mandela, e terminei com os olhos marejados ao “ouvir” Pienaar (capitão do time sul-africano) dizer, após a conquista da Copa do Mundo: “Não tivemos 62 mil torcedores apoiando (capacidade do estádio), Tivemos 43 milhões de sul-africamos” e assim simbolizar a união de um país.

Anica: A Elegância do Ouriço: Chega dezembro e eu já tinha em mente quais seriam minhas melhores leituras desse ano, mas acabei me surpreendendo com A elegância do ouriço de Muriel Barbery e ele ganhou o título de melhor leitura do ano. Por ser tão plural, como se fosse mais de um livro dentro de um, com enredo cativante e exposição de ideias fantásticas, não tinha como ser diferente. A história da solidão e da vida, do que é ser indivíduo, o que você é e o que os outros pensam que você é. Recheada de referências culturais e um dos modos mais tocantes de ensinar o real significado da palavra nunca. Lindo e imperdível.

Dindii: Se eu fechar os Olhos Agora, do Edney Silvestre, me chamou atenção desde a primeira página. Pra mim foi, com certeza e disparado, a melhor leitura do ano. O livro consegue misturar as alegrias da juventude simples de Paulo e Eduardo com um brutal assassinato e um mistério que fica, a cada página, mais complexo. Ainda tem, como plano de fundo, a Era Vargas, a chegada do Homem à Lua e as relações familiares e de amizade dos meninos.