Muito já foi escrito a respeito do Holocausto. Chega a ser quase impossível enumerar a quantidade de autores que escreveram a respeito- seja por terem realmente estado lá, seja por terem resolvido lidar com um trauma familiar ou ainda ganhar uns trocados.

Dos que estiveram nos campos de concentração, a maioria dos que destacou-se foram judeus: Kertész, Levi, Celan, Wiesel. Mas nem só judeus foram condenados aos campos: no início Auschwitz servia para prisioneiros poloneses ligados à resistência contra a ocupação alemã, e não tinha critérios raciais- isso só aconteceu mais tarde (outros campos, porém, tinham prisioneiros judeus desde 1933). Tadeusz Borowski é um desses prisioneiros poloneses.

Em Pożegnanie z Marią (Adeus para Maria, lançado em inglês pela Penguin como: This Way for the Gas, Ladies and Gentlemen– ainda inédito no Brasil) Borowski recria, em uma série de contos, a vida dentro do campo. O foco das histórias, no entanto, não é tanto no quanto se sofria, na fome ou na dor, mas relações entre os prisioneiros.

Quando foi lançado, o livro foi considerado niilista e desumano. De fato, Borowski descreve com incrível indiferença cenas bastante fortes, como a de uma garota que só tinha uma perna e que é jogada em uma pilha de cadáveres para ser queimada. Mas essas passagens tornam-se quase que detalhes em meio ao clima de horror existente nos contos.

O terror diário, o fato de que a qualquer momento poderiam ser levados e mortos fazia com que os prisioneiros se tornassem indiferentes ou mesmo cruéis uns com os outros- era o custo da sobrevivência. Não existia solidariedade. E os prisioneiros não-judeus, como o autor, tinham ainda certos privilégios.

Nos contos de Pożegnanie z Marią não existe lugar para heroísmo, de tipo algum. As personagens chegam mesmo a delatar umas às outras e a desejar a morte de seus colegas de campo, ou ainda desejar que chegassem novos carregamentos que fossem direto para o gás, para que se tivessem mercadorias novas, os objetos dos mortos. E Borowski descreve tudo isso de modo distante, apresentando-nos acontecimentos, comportamentos, mas sem nunca nos deixar vislumbrar emoções ou julgamentos morais.

Além disso o livro ajuda a entender a dinâmica de funcionamento dos campos. A divisão entre o campo masculino e feminino, e o fato de que as prisioneiras mais antigas vendiam as mais jovens para os homens. Os Sonderkommandos– geralmente judeus, que levavam os cadáveres para os fornos crematórios- e o esquadrão Kanada– que eram responsáveis por separar e avaliar os pertences dos recém-chegados, dos quais ficavam com uma parte-, com seus privilégios e riscos especiais.

Pożegnanie z Marią é um livro pesado e impiedoso. Mostra o pior dos homens, sob a pior das situações, e expõe um dos sentimentos que parece ser um dos mais fortes entre os sobreviventes dos campos de concentração nazistas, a culpa.

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