No mês passado, Woody Allen deu uma entrevista ao The Guardian sobre seu top 5 de livros favoritos. A notícia tomou conta do Twitter pelas bandas tupiniquins justamente pelo curioso número cinco da lista do diretor norte-americano: Memórias Póstumas de Brás Cubas. Defensores ocultos de Machado de Assis surgiram elevando a nota como algo estupendo (o que realmente é) e falando sobre a importância do escritor – algo que todos tem uma certa noção desde os tempos de colégio, quando a leitura de Brás Cubas ou Quincas Borbas era obrigatória. Todavia, o que me chamou mais atenção é o motivo que levou Allen a ler a obra (mesmo depois da chegada via correio por um “admirador” secreto): era um livro fino.

Como uma coincidência cretina, eu estava ajudando um rapaz do lugar onde trabalho a escolher livros para indicar e na minha mão estava Nunca vai embora, escrito por Chico Mattoso e volume X da coleção Amores Expressos, um livro de pouco mais de cem páginas. O garoto sorriu, “Livro bom é assim”, apalpando a capa como se ao seio de uma mulher que enche a palma da mão. Eu abri um sorriso meio amarelo, mas notei que ultimamente os livros que eu tenho lido não ultrapassam mais do que as duzentas páginas. Poderia remoer uma certa dor de cotovelo e falar que a demanda é que está muito alta, às vezes as editoras lançam dez livros por semana, isso mesmo, em sete dias elas lançam dez livros de dez autores diferentes para dez, quinze, mil pessoas diferentes.

A frase exata Woody Allen foi: “Because it’s a thin book, I read it. If it had been a thick book, I would have discarded it. “. Uma regra extremamente infame que vem de encontro com os leitores mais assíduos. O tempo (sempre ele, amaldiçoado seja aquele que condenou durante séculos a vivermos à mercê de algo tão relativo que para uns falta e para outros sobra) não nos deixa escolha para um calhamaço que pode ser arremessado na cabeça de algum trombadinha que venha, ocasionalmente e não-verídico, assaltar você perto da estação Liberdade do Metrô do que um simples peso de papel com poucas páginas. Ou simplesmente os assentos preferenciais em trens e ônibus para leitores que carreguem catataus (a.k.a. livros com mais de 500 páginas) estejam sempre ocupados.

Um pouco deprimente foi relembrar a minha lista de livros favoritos que atualizei há pouco tempo no Meia Palavra. Grande parte das obras que cito tem lá suas 400 páginas que reli pelo menos duas vezes, mas a tradição de tentar reler pelos menos metade da lista a cada final de ano tem se tornado apenas uma daquelas promessas de ano novo que  fazemos no primeiro minuto após a meia-noite. Passei a pensar naquela passagem de 2666, na parte de Amalfitano:

Escolhia A metamorfose em vez de O processo, escolhia Bartleby em vez de Moby Dick, escolhia Um coração simples em vez de Bouvard e Pecúchet, e Um conto de Natal em vez de Um conto de duas cidades ou As aventuras do sr. Pickwick. Que triste paradoxo, pensou Amalfitano. Nem mais os farmacêuticos ilustrados se atrevem a grandes obras, imperfeitas, torrenciais, as que abrem caminhos no desconhecido. Escolhem os exercícios perfeitos dos grandes mestres. Ou o que dá na mesma: querem ver os grandes mestres em sessões de treino de esgrima, mas não querem saber dos combates de verdade, nos quais os grandes mestres lutam contra aquilo, esse aquilo que atemoriza a todos nós, esse aquilo que acovarda e põe na defensiva, e há sangue e ferimentos mortais e fetidez. (p.225)

Será que nossos escritores deixaram de lado anos de batalhas porque querem, e necessitam talvez, viver do escrever? Assim como o João Ubaldo Ribeiro frisou na entrevista aqui no Meia Palavra que para viver da escrita é sempre bom ser reconhecido. Nos tempos atuais onde o tempo não existe, e está sempre atrasado, é possível dedicar-se a escrever um calhamaço acima das 500 páginas? Ou será que apenas o personagem Harry Potter, como citou Pedro Bandeira, será o único capaz de fazer crianças e adultos a ler mais de mil páginas?

Se não julgamos um livro pela capa tampouco poderemos julgá-lo por seu tamanho, só ver o caso de História Abreviada da Literatura Portátil de Enrique Vila-Matas, que fala sobre uma sociedade secreta e sua vontade de compor romances pequenos para caber em valises. Outro dia mesmo o editor André Conti me deu um conselho sobre um livro grande que há tempos eu ensaiava para ler: “Não tenha medo, vá até a página 100, a partir dali você não conseguirá mais sair para nenhuma outra leitura”. Certeiro. Claro que não teremos um editor, um jornalista, alguém para dizer exatamente em que ponto a narrativa nos cativará, só é possível se arriscar mesmo. Contudo, o risco seria em uma obra de maior expressão, ou menor conteúdo, e não em conhecer os diversos trabalhos de um mesmo escritor? Afinal, novos escritores são publicados mensalmente, escritores consagrados lançam mais livros, escritores mortos tem suas magnum opus republicadas em edições de luxo – mimo para colecionadores, etc.

Por mais que homens tenham essa fixação por tamanho, quem decide é o leitor se ele quer ler uma obra grande em dois dias ou ler uma pequena em duas ou três semanas. Que os livros finos abram as pequenas brechas para os pesados e volumosos passarem e não serem deixados para trás.

Ou seja, meu medo não reside no futuro da literatura, mas nos leitores.