História do Brasil é um tópico que faz muitos torcerem o nariz, não é verdade? Imagina então se eu adicionar a esse texto mais um elemento que causa torções de nariz ainda mais violentas: Macunaíma, de Mário de Andrade? Pois bem, para todos os que leram e torceram o nariz, espero que essa coluna possa ajudar a quebrar o estigma de certo receio (quiçá ranço) que existe em relação a esses dois tópicos.

É fato que Macunaíma não é um livro daqueles mais fluídos e agradáveis que você irá ler ao longo de sua vida, porém, ele não é um clássico da literatura brasileira à toa. O livro, publicado em 1928, é, talvez, o ápice do romance modernista no Brasil e revela em suas páginas o contexto histórico do qual foi fruto através das visões e opiniões do próprio Mário de Andrade.

O Brasil na década de 20, principalmente São Paulo, ainda se encontrava de maneira bastante intensa, abastecido das riquezas provenientes do cultivo de café (quer dizer, as elites que haviam visto a cor do dinheiro). Embora a modernização, a remodelação urbana e o processo de industrialização estivessem em curso (embora a indústria só fosse entrar na pauta de maneira determinante a partir do governo de Getúlio Vargas), outras realidades e modos de vida continuaram existindo, ou seja, as transformações aconteciam, mas não de forma brusca como pode parecer quando olhamos para os famigerados “marcos históricos” (a expressão correta deveria ser marcos a-históricos, mas essa é outra discussão).

As elites dirigentes se encontravam ainda bastante arraigadas a produção rural, mas novos grupos e mudanças econômicas já traziam novos ares a realidade brasileira, sendo que não se pode negar que a modernização estava assomando, o detalhe aqui é olhar para quem ela chegava e quais as conseqüências dessa “chegada” e “não-chegada” dentro do processo.

Mario de Andrade vivenciou de forma bastante intensa essa modernização urbana, a construção de prédios, a chegada de novas tecnologias e a maneira como a vida de forma geral ia se transformando, seja em relação ao tipo de sociabilidade que esse espaço urbano trazia consigo, seja a respeito desse novo ritmo de vida que se instaurava, seja em relação às conseqüências disso para o modo de vida que ele veio “substituir”.

O afã de modernizar-se, que incluía de maneira bastante forte também a “europeização”, incomodava Mario de Andrade, que, aliás, havia feito viagens pelo interior do Brasil, buscando encontrar qual seria o “tipo brasileiro”, entrando em contato com as mais diversas culturas e modos de vida que existiam para além da modernidade que o país, em certas regiões, experimentava.

Mario de Andrade chamava essa mania de europeização e de desprezo do “suposto genuinamente nacional” de “moléstia-de-nabuco”, que é, nas palavras do autor, “isso de vocês andarem sentindo saudade do cais do Sena em plena Quinta da Boa Vista e é isso de vocês falarem dum jeito e escrever covardemente colocando o pronome carolinamichaelismente.”

A busca de Macunaíma pelo Muiraquitã é a busca de Mario de Andrade, ou do brasileiro por sua identidade, por seu caráter, pois, como o subtítulo já diz, Macunaíma é um “herói sem caráter”. Dentro desse contexto de afã de modernização, em que mudanças ocorriam mais rapidamente do que ele gostaria que elas acontecessem e de modo diferente do que ele gostaria que acontecessem, Mario de Andrade foi uma voz dissonante, que conclamava um sentimento de ‘anti-burguesia’ ao mesmo tempo em que revoltava-se com o silenciamento de outras culturas e outros modos de vida que não aquele espetacularizado que era celebrado constantemente na metrópole.

Nicolau Sevcenko consegue descrever e analisar de maneira muito interessante esse “fenômeno” no livro Orfeu Extático na Metrópole, em que traça um panorama bastante interessante das diversas mudanças que se operavam no Brasil na década de 20; assim como no Literatura como Missão, do mesmo autor, que abrange um recorte temporal um pouco maior mas que consegue dar idéia desse processo em curso na época.

Quando alguém me diz que largou Macunaíma eu não me impressiono, consigo entender porque, eu mesmo larguei uma vez antes de levar a leitura a cabo, mas aos que largaram, espero que essa possa ser uma nova oportunidade de pegá-lo da estante ou da biblioteca novamente e dar mais uma chance, vocês vão ver que a luz da História as estórias adquirem um brilho todo especial.

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