Kenzaburo Oe é um autor japonês de diversos contos, escritos políticos e um famoso ensaio sobre Hiroshima. Em 1994, ele foi laureado com o Nobel de Literatura, e nesse ano uma das suas obras mais tocantes, Jovens de um novo tempo, despertai!, recebe uma edição especial no aniversário da editora Companhia das Letras junto com outros agraciados como J.M. Coetzee e Toni Morrison.

Concebido como periódicos escritos entre 1982 e 1983, acompanhamos a história de um escritor que tem como ambição escrever um manual sobre as coisas do mundo (como um pé), sobre o ser humano e sobre a sociedade em que vivemos; para seu primogênito que nasceu com uma rara deficiência. Essa tarefa é um pouco mais complicada do que parece, ao mesmo tempo em que tenta buscar um didatismo longe dos apresentados em escolas, as descrições devem compreender o leitor especial e dessa forma o narrador tem de aprender a enxergar o mundo pelos olhos do filho – tornando-se assim um aprendiz junto dele.

Intercalando com suas próprias experiências na infância e na vida adulta, o escritor desvenda momentos pontuais de sua vivência através dos poemas do inglês William Blake (o livro é dividido pelos nomes de trabalho do poeta, inclusive o título é tirado do prefácio de “Milton”) e em tempo redescobre novos significados ao tentar compreender as mudanças que tem ocorrido com seu filho ao alcançar a adolescência. Reflexões sobre a morte e o abandono são as mais fortes usadas por Oe para descrever as perdas – metafóricas – de um pai para filho, o que ocorreria naturalmente com filhos sem deficiência. Iiyo, primogênito do escritor-narrador, consegue exercer diversas funções como caminhar até a escola e ser um músico natural (um dos seus instrumentos favoritos é gaita).

A narrativa é deveras tocante sem beirar o sentimentalismo, uma tarefa árdua se levarmos em conta a biografia do autor apresentada no final dessa edição. Kenzaburo tem um filho com uma grave deficiência e que figura constantemente nos trabalhos do escritor. Coincidentemente ao deparar com o fim da narrativa, onde seu filho não quer mais ser chamado pelo apelido de infância, mostrando um crescimento longe da família, percebemos a coragem do escritor em finalmente se entregar ao aprendizado sem instruções em uma cartilha, guiado por suas percepções ao longo do tempo em que decidiu escrever o tal do manual.

Os traços autobiográficos não param nas relações familiares, a história traz diversos personagens da vida de Oe que ele simplesmente resume as iniciais do nome como T ou H. A importância desses coadjuvantes em sua vida é essencial para organizar seus pensamentos acerca dos escritos de Blake, o que por muitas vezes exclui as temáticas taciturnas para traçar uma esperança longínqua, mas, mesmo assim, tateável.

Jovens de um novo tempo, despertai! é uma obra forte e atemporal que evoca questões existenciais delicadas – para jovens nascidos em tempos incertos e quase obscuros – e o complicado aprendizado sobre a morte e o sofrimento, sem nunca perder a sensibilidade ou cair em pieguices injustificáveis.

Em tempo, a coleção Prêmio Nobel vem com uma sobrecapa com os diversos títulos que serão lançados, capa dura, biografia do autor e um marca página de tecido – um mimo digno de colecionadores.