Ulisses, de James Joyce, é, talvez, uma das obras literárias mais famigeradas da modernidade. O livro é famoso como uma das obras venais do modernismo, não só na Irlanda, não só em língua inglesa, mas no mundo. Também é famoso por seu tamanho avantajado: dependendo da edição, pode variar entre oitocentas e mil páginas – e isso que trata sobre um único dia. Mas, provavelmente, o que o torna mais conhecido é o fato de ser um livro difícil.

Em qualquer lugar em que pessoas que tem a leitura por hábito se encontrem, ao se mencionar o tópico livros difíceis, o nome de Joyce surge, notadamente com Ulisses e com Finnegan’s Wake.  A relação contrária também é verdadeira: ao mencionar que já li Ulisses, as pessoas costumam se espantar e mostrar certa admiração misturada com a descrença, e as fatídicas palavras ‘um dia eu ainda vou ler, mas ainda não estou pronto’.

O engraçado é que depois que você o lê – seja em alguma das traduções ou no original – uma das sensações que se corre o risco de sentir é o desapontamento. Não que o livro desaponte em qualquer sentido, é mais do que merecedor de todos os elogios e louvores que há quase cem anos vêm recebendo (ou talvez não tão quase assim: os elogios não vieram automaticamente com a publicação, já que o livro sofreu duras críticas no início), mas ele é mais fácil do que costuma ser dito por aí.

É claro que é um livro grande. Mas um dos três livros de O Senhor dos Anéis, sozinho, já tem o mesmo tamanho. É claro que é recheado de referências à cena política e cultural da Dublin de 1904 e da vida de Joyce, além de outras tantas referências artísticas e literárias. Mas existem notas explicativas na maioria das edições, e não entender cada detalhezinho não vai fazer com que o livro seja uma leitura perdida. Falam, ainda, que o palavreado é complicado. Mentira: difícil é ler Finnegan’s Wake; em Ulisses o vocabulário mistura alguns neologismos entendíveis com um mínimo de esforço e uma oralidade bastante forte, ou seja, é bastante acessível.

Se o livro é difícil para alguém, é para os tradutores. Eles sim é que tem de quebrar a cabeça para adaptar os neologismos e a oralidade da escrita de Joyce, estudar as referencias para não perdê-las.

Falando nos tradutores, aliás, talvez em parte sejam eles os culpados pela fama do livro. Um deles na verdade: existem, até o momento, três edições em língua portuguesa publicadas; além de uma aguardando publicação. Duas das já publicadas e a que está no aguardo são versões brasileiras: a primeira de Antônio Houaiss, de 1966, a segunda de Bernardina da Silva Pinheira, de 2005, e a mais recente, que na verdade ainda não saiu, de Caetano Galindo. A outra é portuguesa, lançada em 1989, traduzida por João Palma Ferreira (antes disso, havia sido publicada uma adaptação ortográfica da versão de Houaiss, em 1983). Tenho quase certeza de que quem acha o livro difícil tentou ler a versão de Houaiss.

Não é uma versão ruim: lembro até de ter lido em algum lugar que é considerada a formalmente mais perfeita e tudo mais. Mas, essa versão sim,  tem um vocabulário carregado, empoado. A tradução de 2005 é bem mais light, por assim dizer, sem, na minha opinião, dever em nada para a primeira tradução ou para o original. Quanto a que vai ser lançada… Bem, ela ainda vai ser lançada (mas eu já ouvi falar dela há muito, muito tempo – e tenho grandes expectativas. Seu lançamento provavelmente vai fazer com que Ulisses reine absoluto em minha estante de livros: será o único livro que terei em três versões diferentes).

Mas não culpemos só uma tradução de quarenta anos pelo fato de as pessoas fugirem do summum opus de Joyce. Apesar de eu defender o tempo todo que ele não é um livro difícil, não posso dizer que não seja complexo, e é muito fácil confundir as duas coisas. Além disso, a maioria das pessoas que teve coragem de lê-lo não quer dar o braço a torcer e dizer que o livro é mais fácil do que se pensa, estimular ao invés de assustar: assim qualquer piada (ruim e pedante) sobre o mundo ser divido entre os que leram e os que não leram Ulisses perderia o sentido.

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