Uma das tarefas mais árduas para alguém que lê com frequência é ter de indicar livros para leitores esporádicos. Aqueles amigos que lêem uns 3 ou 4 livros por ano. Não que seja um problema, cada um tem um ritmo de leitura, mas indicar algo, ainda mais quando indagado pelo outro, pode ser uma das tarefas mais difíceis, como traduzir Finnegan’s Wake ou ler Infinite Jest em um dia. Eu tenho um grande leque de amizades que cultivei desde os tempos de colégio e muitos dos meus amigos não tem tanto interesse pela literatura como eu, geralmente encontramos outras coisas em comum: os amigos para ver futebol, os amigos para falar sobre cinema, os amigos de bebedeira e muitos deles são uma mistura de tudo. De qualquer forma, quando alguém fora do mundinho literário que conheci após entrar para a equipe do Meia Palavra – onde, ironicamente, os assuntos são livros e desmembram para diversos outros, como cerveja, video-game ou sexo – me pede uma sugestão, acabo com a pulga atrás da orelha (com o perdão da expressão).Antes de falar sobre as indicações, vou frisar sobre aquelas que recebo de pessoas do “meio”. Diana Passy, a mente ardilosa por trás do Blog da Companhia das Letras, envia todo começo de mês a lista de livros da editora e quando vejo todos aqueles lançamentos nunca sei o que pegar. Eis que a Srta. Passy indica Ilustrado, de Miguel Syjuco. Um livro que combina com o meu perfil (eu mesmo não sabia que tinha um), segundo a própria, e ela tinha toda a razão, gostei muito da leitura que se adequou muito ao meu gosto. Claro que graças a essa, e muitas outras, (Diário da Queda, de Michel Laub, um dos melhores livros que li em 2011, foi conselho dela) acabei criando uma amizade bacana com Diana. Isso também ocorreu com as pessoas do Meia Palavra (do fórum, do blog, etc.). Em todo encontro há uma troca enorme de informações literárias: autores, livros, edições especiais, gêneros, sub-gêneros e referências. Gosto sempre de ressaltar que qualquer tipo de arte é nada mais que um intercâmbio, descubro o que tenho em comum com a pessoa, ela conhece, me indica outra e essas trocas vão fortalecendo os laços.

Eu não tenho a mesma habilidade e apuração para indicar como a Diana, infelizmente acabo por recomendar livros que as pessoas não curtem tanto assim. Qual foi a última obra que fulano leu? Literatura brasileira? Devo indicar algum autor novo que combina com aquele que beltrano gostou? Ou mesmo indicar um queridinho do momento, como Bolaño? O que mais traria dor ao coração seria, é claro, indicar algum autor favorito, Javier Marías, André Sant’Anna, Amós Oz, Haruki Murakami, Julio Cortázar, Cees Nooteboom, Umberto Eco, David Foster Wallace, que o sujeito não gostaria e ainda apontasse o que o escritor tem de mais genial como o grande problema da obra. Pegando o exemplo do Bolaño, o escritor chileno não agradou a última pessoa para quem indiquei, que preferiu muito mais a minha segunda indicação (na insistência somos a resistência): O Sonho dos Heróis, de Adolfo Bioy Casares. Lido, nas palavras da própria, em uma tacada só. Outro exemplo do próprio Bolaño foi durante uma conversa sobre novas leituras com a minha querida-amiga-devoradora-de-livros Thais Cortez, que por indicação (ou contra-indicação?) do namorado não foi atrás do autor e, sim, de Philip Roth (o livro que quase li, O Complexo de Portnoy, sugerido por ela, acabou passando para as mãos da Dindii, que graças a resenha que escreveu entrou para equipe do Meia Palavra).

Outras dessas ironias do destino, como o livro de Casares, aconteceu comigo e meu amigo André Campedelli – a quem conheço desde os tempos da escola de futebol onde descobrimos interesses em comum, como Palmeiras, Zelda 64, o metal e todo o seu poder, e Arquivo X -, nunca trocamos em miúdos discussões literárias até uns três anos atrás, quando citei Borges numa conversa no meio da tarde. Ele me entregou em mãos A Invenção de Morel (e quem acompanha o Meia Palavra sabe que essa é uma das obras que figuram em meus textos e na minha lista de livros favoritos) que o grande Georgie classifica como perfeita. Nunca devolvi.

E não é só na amizade que ficam as indicações, quando eu tentava engatar um relacionamento, em meados de 2007, um dos principais assuntos entre nós era música, cinema e literatura – nessa ordem – e graças a ela conheci um pouco de Kerouac, dei atenção ao Kundera, etc. Quando decidimos ser apenas amigos (ok, isso nunca dá certo) resolvemos, como bons amigos, assistir um filme e ficamos sentados na escada da entrada do cinema esperando a liberação da sala. Para matar o tempo, e aquela tensão pós-término, ela tirou da bolsa e me mostrou que estava lendo Grande Sertão: Veredas (isso é golpe baixo com um fã de Guimarães Rosa). Peguei o livro e escrevi uma dedicatória (nota mental: não fui eu quem deu) bem piegas (não lembro o que escrevi, mas sempre são piegas e consigo me superar em todas). Depois ela pediu para eu achar uma das minhas passagens favoritas e ler para logo em seguida me tascar um beijo. Sr. Rosa quase afrodisíaco fez o namoro engatar por um tempo até que bem razoável.

Não sei se há um ponto de conclusão nesse tipo de discussão, posso dar mil voltas falando sobre outras indicações, contra-indicações, mas creio que a melhor maneira de se indicar um livro não é ir apenas pelo caminho óbvio. Não é porque o meu irmão de 16 anos gosta de Harry Potter que ele terá saco para Fronteiras do Universo. É preciso saber o que a pessoa gostou exatamente nesse último livro que leu e se é o estilo dela mesmo – e esse tipo de apuração, meus amigos, leva tempo para se conseguir; um dia eu chego lá.