O clichê é algo que todo mundo tenta evitar. Ninguém quer ser repetitivo e tornar um discurso enfraquecido por não apresentar um pensamento novo. Isso é bem curioso, uma vez que a publicidade, cinema e televisão basicamente trabalham com a referência e cópia. São de remakes, enlatados, adaptações e “homenagens” que a indústria da arte e formação de opinião sobrevive. E nem os livros escapam disso, com suas temáticas recorrentes e best-sellers que são tão parecidos um com os outros em seus estilos e temáticas. O que eu quero dizer é que todo mundo quer fugir do igual e querem vender essa imagem eterna de originalidade e novidade. Essa é a demanda da nossa era. Precisamos ser desesperadamente diferentes dos outros e, no entanto, nunca fomos tão iguais, tão próximos.

E então é no meio disso que surge, por exemplo, aquele tipo de pessoa que gosta de escritores desconhecidos (ou músicos, cineastas, culinária típica). Quanto mais anônimo melhor. Tenho a impressão de que essa pessoa, se tivesse a oportunidade, seria o primeiro a ler um manuscrito, publicaria 100 cópias do livro e queimaria 99 antes que chegassem às mãos de qualquer pessoa, ficaria com a única cópia e pediria um autógrafo ao autor antes de matá-lo tragicamente. Isso tudo só pra se vangloriar e dizer que foi o único a conhecer a genialidade do autor.  É daí que surge a raiva quando o seu autor,  seu músico ou seu cineasta favorito sai do limbo do desconhecido e se torna alguém na indústria. É quase uma traição. Agora você voltou a ser mais um e perdeu a sua originalidade,  sem perceber que essa busca pelo original já se tornou também um clichê e que esse autor, mesmo que desconhecido, também deveria usar outro autor como referência e falar de assuntos que já foram vistos em outro lugar.

Mas onde eu quero chegar com isso? Bom, estou aqui para defender o clichê como ponto de partida e base de muitas das coisas que chamamos de “originais”. Acho que histórias de amor mal resolvidas podem ser o assunto mais comum e banal, e, no entanto, continuam recorrentes na literatura e cinema, atraíndo público. Outro exemplo, os filmes do Tarantino são repletos de referências de outros cineastas, e nem por isso sua obra perde valor, digo até que pelo contrário, isso as enriquece. Kill Bill é um clichê, ou você vai me dizer que nunca viu um filme em que a personagem principal é movida por vingança e quer matar todos os seus inimigos? O lugar-comum, ou clichê, é um ponto de partida. É um pensamento/ sentimento universal que permite a identificação com o público. A partir dele, o autor pode trabalhar o seu pensamento e a sua visão, de forma a ser original.

Eu estou aqui falando de clichês e referências, que são coisas diferentes, mas com um fim em comum. O clichê é o assunto comum enquanto que as referências são as abordagens conhecidas que viram base para um autor criar sua própria obra. Mas o assunto que venho tratar esse mês é um dos maiores clichês do incentivo à leitura: Ler abre portas para outros mundos ou, ler é viajar sem sair do lugar. Você já deve ter ouvido isso  algumas vezes na sua vida.

Eu queria dar o meu parecer sobre isso.  Como disse na minha coluna anterior, eu nem sempre fui uma leitora compulsiva. Não que eu nunca lesse, mas eram poucos os livros a me cativar na infância.   De certa forma, acho que esse gosto pela leitura veio acompanhado do clichê de que o livro é o caminho para conhecer outros mundos.

Esse mês, eu li E se Obama fosse africano?, de Mia Couto, e me deparei com um autor extremamente sensível ao falar sobre  leitura e escrita.  Partindo do pensamento que citei acima, ele desenvolve todos os seus desejos e sonhos para uma escrita universal. Ele cita como as traduções não são apenas uma questão de palavras, mas sim de cultura. Por exemplo, na África não existe pobreza por falta de dinheiro, mas sim algo mais próximo do órfão, ou seja, o pobre é aquele que não tem uma família para ampará-lo. Da mesma forma, no continente não existe o pensamento de “meio ambiente” como algo sendo separado dos seres humanos. Mia Couto também fala sobre como ser um poeta ou escritor é algo próximo ao exercício de traduzir sonhos.

Depois dessa leitura, fiquei por algum tempo pensando em tudo que os livros fizeram na minha vida. Se para Mia Couto, escritores são tradutores de sonhos, eu posso dizer também o contrário: Eles estimulam sonhos. Eu não exagero ao dizer que já sonhei com a continuação de algum livro que eu lia, que já fiquei tão obcecada por uma história que ela chegou a invadir diferentes pontos da minha vida. Ler não é um exercício que acontece só no abrir e fechar do livro, mas ensina um novo olhar sobre todas as coisas.

Posso garantir também que a leitura mudou o meu cotidiano: Tudo ao redor ganha um tempo diferente e uma observação a mais.  Eu viajei sem sair do lugar sim, viajei pela história e soube um pouco mais de tantos pontos de vista sobre guerras e massacres. Eu descobri sobre o Brasil colonial e as organizações criminosas japonesas, passei por histórias de amor proibido e grandes crimes e golpes. A experiência, ao ler, é muito mais intensa do que ao assistir um filme, pois ela se dá de forma mais lenta e se incorpora, aos poucos, em sua vida. Ler é aprender a ser paciente, e, mais do que isso, prestar atenção no outro, que tem uma história a te contar.