Philip Roth é um dos nomes mais conhecidos da literatura estadunidense atualmente, sendo, inclusive, um dos cotados a receber o prêmio Nobel de Literatura já há alguns anos. Em 2011 mesmo, ele foi agraciado com o Prêmio Internacional Man Booker. Seus livros lidam com problemas identitários e questões concernentes ao fato de ser judeu, tocando em questões que dizem respeito a essa identidade em terras norte-americanas (embora não estritamente).

Publicado em 2010 e recentemente lançado no Brasil, com tradução de Jorio DausterNêmesis, segundo o site da Companhia das Letras, faz parte da tetralogia que conta também com os títulos Homem comum, Indignação e A humilhação. Embora o livro pareça ser simples e não tenha características inovadoras quanto à forma, os questionamentos proporcionados por ele estão longe de serem consenso ou de estarem datados, ainda mais em tempos “essencialmente trágicos”, como diria D.H. Lawrence, como os nossos.

O livro conta a história de Bucky Cantor, um rapaz formado em educação física que é responsável por um pátio de esportes para crianças em Newark, New Jersey. O ‘Sr. Cantor’, como é chamado pelo narrador, Arnie Mesnikoff; é o herói das crianças por conta do exemplo que dá a todos eles e por um certo evento envolvendo um grupo de italianos, em que Bucky encarou o grupo para defender as crianças de seu pátio contra a poliomielite que os italianos diziam estar trazendo com sua visita.

A história se passa durante a Segunda Guerra Mundial, onde, além desse conflito, outra guerra é travada nos Estados Unidos: a guerra contra a paralisia infantil. Não haviam tratamentos conhecidos nem se tinham muitas informações sobre a doença, sobre a forma como ela é transmitida ou como se podia preveni-la; ao passo que vários dos garotos que estavam sob a supervisão do Sr. Cantor acabam se tornando vítimas da doença.

Bucky se sente culpado por não poder engrossar as fileiras das tropas estadunidenses na Europa e contra o Japão, por conta de sua miopia. Diante dessa impossibilidade, o Sr. Cantor se esforça ao máximo tentando manter a situação sob controle atrás das trincheiras.

Ocorre, porém, que a situação se agrava e uma verdadeira epidemia se estabelece na cidade, espalhando também o pânico e a paranóia entre as pessoas. Bucky, cedendo ao pedido de sua namorada, Marcia, que se encontra na colônia de férias dos pais, aceita um emprego de instrutor de atividades aquáticas e se muda de Newark para o refúgio campestre. A essa mudança, sua culpa se agrava, por ter deixado seu pátio, e questionamentos de ordem metafísica começam a assolar a mente de Bucky.

Através do protagonista, Roth reaviva um questionamento: se Deus existe, como ele pode permitir que haja poliomielite? Bucky é o escopo de reflexão, pois ele se enerva ao pensar sobre como é possível existir tal vírus senão como manifestação de algo para além da vontade humana. Por meio do protagonista o autor explora as dimensões humanas do divino. Ou a impossibilidade de concebê-lo para além de nossas próprias concepções.

É nesse sentido que a referência presente no título surge pujante: Nêmesis, apesar de habitar o Olimpo, é uma das divindades mais ligadas às trevas da mitologia grega, sendo que é conhecida como representante da vingança divina. Como compreender os eventos que se sucedem a Bucky dentro dessa referência: seriam aleatoriedades, karma, justiça ou castigo divinos?

Há ainda outros eventos posteriores que tornam esses questionamentos ainda mais afiados, mas não os revelo aqui para não adiantar revelações sobre o enredo. A questão que permanece é bastante antiga, mas se encontra endossada pela impossibilidade de uma resposta universal, exata ou mesmo definitiva: seria o homem um fantoche de Deus ou de algo maior, superior ou que dirige as engrenagens que regem o universo? Ou será que é a partir de suas experiências, seu intelecto e sua capacidade/obsessão de explicar o mundo que ele concebe tais coisas?