Em muitas das minhas resenhas aqui no Meia eu costumo falar em algo chamado literatura de testemunho. Não tenho certeza sobre o quão técnico o termo é, ou melhor, sobre o quão hermética é a palavra: apesar de acreditar que seu significado seja mais ou menos dedutível, eu mesmo só fui ouvir isso depois de enfiar-me nos labirintos da academia.

Resolvi, logo, fazer um breve post acerca do que é a tal da literatura de testemunho. Trata-se, como diz o nome, daquela literatura que serve como testemunho de alguma situação. As coisas que foram escritas pelos sobreviventes dos campos de concentração, por exemplo. Nesse sentido pode-se pensar em Primo Levi, Tadeusz Borowski, Imre Kertész, Elie Wiesel…

Mas isso não é tudo, ou não usaríamos o termo testemunho e sim literatura de campo de concentração, ou qualquer coisa equivalente. Existem os autores que são sobreviventes de Gulags – Alexandr Solzhenitsyn é o exemplo mais famoso, com seu ‘Arquipélago Gulag’, mas antes dele Gustaw Herling-Grudziński já havia escrito seu próprio testemunho das prisões soviéticas, chamado ‘Inny świat’ (Um outro Mundo, sem tradução para a língua portuguesa).

Mas esse ainda é um universo muito circunscrito, em que praticamente só existem escritores judeus e do leste europeu. Como bom gênero literário, a literatura de testemunho tem um alcance bem maior. Inscrevem-se aí também as literaturas latino-americanas, escritas sob a égide das ditaduras militares.

No universo letrado latino-americano o testemunho costuma misturar-se com o jornalismo, sendo por vezes escritos por terceiros, a partir da narração oral da testemunha em si. Exemplos são Biografía de un cimarrón (1966), de Miguel Barnet, Miguel Mármol. Los sucesos de 1932 en El Salvador (1972), de Roque Dalton, e Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia (1983), de Elizabeth Burgos-Debra.

De qualquer maneira, a literatura de testemunho costuma ter dois objetivos (teoricamente, pelo menos) bem claros: a denúncia dos fatos narrados e, de modo mais pessoal, a elaboração do trauma sofrido – não me lembro, afinal, de livros-testemunho que não tratem sobre acontecimentos violentos.