Quem assistiu Pulp Fiction provavelmente se lembra da cena em que John Travolta e Samuel L. Jackson estão conversando sobre o uso de haxixe em Amsterdã para desembocar em uma conversa sobre costumes europeus. Vincent Vega (John Travolta) diz que na Europa existem as mesmas coisas que existem nos EUA, mas com pequenas diferenças, bem pequenas. Aqui em Nova Iorque também existem essas diferenças, algumas muito boas (dependendo do ângulo que se vê) e outras não tão boas. Grande parte das linhas de metrô funcionam 24 horas e quantas vezes você não se perguntou como isso seria maravilhoso para não ter que dirigir após um happy hour ou uma balada? Porque ser o motorista da rodada (merchan) é uma das tarefas mais complicadas.

Após algumas bebidas, a maneira mais segura de chegar em casa seria por transporte público, certo? Nem tanto, o que você sente após 6 ou 7 long necks? A pessoa mais inteligente, bonita e legal do mundo? Um grande filósofo? Talvez. O mais provável é que você sinta sono. Muito sono. E pegar o metrô depois de uma grande bebedeira faz com que sua mãe se sinta bem mais segura. Se você dirigir no alto do grau da bebedeira pode dormir no volante e bater o carro, no metrô você pode perder sua estação duas vezes e zanzar pela linha por mais ou menos duas horas e quinze minutos. Outra pequena diferença por aqui é o café. Se você é um amante da cafeína, do café preto, do café sem açucar, é melhor fazer, porque comprar esse líquido maravilhoso em NY é o mesmo que tomar água escaldante com algum pó marrom. O mesmo vale para o pão na chapa. Acostume-se com o bagel com cream cheese ou geléia ou os dois. Esses dois exemplos são só questão de costume e logo você não sentirá tanta falta – só quando provar outra vez, mas isso é outro caso.

Não é a culinária que faz falta apenas, as pessoas também fazem falta e os lugares também. Os amigos que fiz aqui em NY, e com quem convivo praticamente todos os dias, são estrangeiros e cada um sente falta de alguma coisa particular, mas todos, sem exceção, sentem falta de suas casas, do seu país e dos laços que mantém por lá. Durante as primeiras semanas eu tentei evitar falar sobre o Brasil, mas ao ouvir a Patrícia, a judia-venezuelana-que-mora-em-Israel, falando sobre seus amigos e sobre seu cachorro; e Shagun, o indiano-boa-pinta, falando sobre Déli, a comida, os primos e as irmãs, comecei a me abrir um pouco e falar de como sentia falta de diversas coisas e pessoas. Isso me lembrou aquela passagem de O Apanhador no Campo de Centeio: “A gente nunca devia contar nada a ninguém. Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo”. Expressa bem o que pensei horas depois, enquanto deitado no meu quarto assistindo Seinfield na Nickelodeon. Não sei qual palavra foi usada no original para expressar saudade – uma palavra que grande parte dos nativos da língua portuguesa se vangloria por ter em seu vocabulário – um sentimento que mistura nostalgia, alegria e tristeza numa coisa só. Tentei explicar dessa maneira para que eles me entendessem. Patrícia até tentou encontrar algum correspondente em Hebraico e Espanhol, mas não conseguiu.

Quando começamos a falar sobre saudade, do que exatamente lembramos? Da última vez que vimos nosso avô, um dia antes dele morrer, na antevéspera de Natal? Dos amigos falando sobre trabalho, futebol e bebendo litros de cerveja num bar, o único lugar em que não nos preocupamos em calcular quanto gastaremos. Do último almoço, regado a duas garrafas de vinho, com alguém especial ou mesmo estar deitado na cama olhando para o teto ou para uma pessoa. Viajar para outras cidades onde moram pessoas queridas? A simples tarefa de procurar o nome de alguém na agenda do telefone só para saber se ela está disponível para fazer nada. Ou não fazer nada em seu próprio canto. São diversas coisas. Seu pai sendo rígido, seu irmão cometendo os mesmos erros que você na adolescência, uns por quês impertinentes de uma criança de seis anos ou mesmo se dar conta de que você não telefonava para essas pessoas com tanta frequência quanto agora?

A saudade seria uma fração de momento, uma pessoa e um lugar. Sinto falta de tudo isso, mas acho que saudade serve exatamente para alimentarmos sentimentos inomináveis, aquela vontade imensa de estar feliz e triste, longe e perto. Quando tudo voltar ao normal, o que nunca volta porque estamos sempre mudando, sentiremos falta de onde e como estávamos. Creio, assim como a frase de Rosa que intitula esse texto, que somos e temos saudade. A ordem exata é só um detalhe sem lógica matemática.