Liev Tolstoy abre seu ‘Anna Karenina’ de um dos modos mais memoráveis de todos os tempos: ‘Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma a seu próprio modo’. Pelo menos três das incontáveis facetas que a infelicidade assume foram retratadas por Amós Oz, em seu livro O Monte do Mau Conselho, recém-lançado no Brasil pela Companhia das Letras – inclusive com direito a vinda do autor ao país.

O foco do livro é Israel antes de ser Israel, ou seja, os anos finais do Mandato Britânico na Palestina. Certamente foi uma época tensa, em que as esperanças se dividiam. Ao mesmo tempo em que a partida dos ingleses significaria a possível concretização do sonho de um estado nacional judaico, isso também criaria um vácuo no poder – que seria disputado não apenas pelos judeus e palestinos, mas por todos os países vizinhos.

São três histórias, a respeito de três famílias. Infelizes, sem dúvida: difícil ser feliz nesse contexto. Cada uma delas, porém, é constituída de modo diferente e reage de maneira diferente ao impasse – no qual são, apesar de tudo, impotentes.

Na primeira parte, homônima com o livro, o narrador é Hilel Kipnis, um garotinho gordo e asmático, alvo de cuidados excessivos  por parte de seus pais e de seus vizinhos. Seu pai é um veterinário um tanto quanto sonhador, cujo otimismo com relação ao pais é quase inabalável. Sua mãe, por outro lado, não consegue abandonar seus modos europeus – até porque só permaneceu na Palestina por conta de problemas na hora de ir embora para a América. Juntam-se a eles as curiosas vizinhas musicistas, madame Iabrova e sua sobrinha Liubov Biniamina; além de Mítia, o jovem inquilino taciturno e fanático.

Após ajudar a esposa de um oficial britânico durante uma celebração pelo um ano da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, o doutor Kipnis recebe um convite para ir à festa de Maio, no Monte do Mau Conselho – local onde fica o palácio do alto-comissário britânico. O pequeno Hilel fica na casa de madame Iabrova enquanto seus pais vão para tal festa. Se por um lado a situação de Hilel é terrivelmente insólita, seu pai sofre agruras terríveis – e sua mãe vinga-se da terra que lhe prendeu.

Em seguida temos O senhor Levy, em que mais uma vez o narrador é um menino. Ao contrário de Hilel, porém, Uri é um garoto magro e valente, que tem certeza de ser peça chave na expulsão dos ingleses do Oriente Médio. Em meio a sua admiração por Efraim, eletricista e visionário, seu tímido despertar para a sexualidade através de sua atração, ainda confusa, por Bat-Ami, e ser maltratado pelos irmãos dela, ele – e todos ao seu redor – espera pelos dias terríveis que virão.

Fechando a trinca temos Saudades, relato epistolar do doutor Nussbaum, um médico que está morrendo de uma doença que nunca nos é revelada. As cartas são endereçadas a Mina – uma amante que ele sequer sabe onde está.

Misturam-se com a doença e a certeza da morte os anseios e expectativas pelo estado judeu e o medo da guerra que, acredita Nussbaum, certamente será deflagrada pelos árabes – que ele não acredita poderem ser o inimigo, vide sua sincera amizade com o doutor Mahdi.

O Monte do Mau Conselho mostra Amós Oz em sua melhor forma, misturando doses exatas de melancolia e de humor ao explorar as raízes de um dos problemas políticos mais sérios do século XX – e que tem assumido proporções ainda mais grotescas recentemente.

É, aliás, curioso notar como os receios que Oz retrata no livro têm vindo a tona na sociedade Israelense frente as recentes crises.  Ou, quiçá, nunca tenham sido realmente postos de lado – o ideal sionista sempre foi algo bastante problemático, tanto para judeus quanto para árabes.

O Monte do Mau Conselho

de Amós Oz

tradução por Paulo Geiger

280 páginas

R$ 43,00

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