Estou meio atordoado até agora, tentando entender o que está acontecendo com o Rio Grande do Sul. Nos últimos meses conheci ‘novos’ autores gaúchos que conseguiram mudar minha rota de leitura de tal forma que não controlo mais minha ansiedade enquanto espero por outra novidade. Carol Bensimon foi a última.
Acompanhava muito satisfeito sua coluna quinzenal no Blog da Companhia, mas como a pilha de livros por ler anda tocando o teto, comprar seu romance de estreia nem passava pela minha cabeça. Lia a coluna, sentia vontade de comprar o livro, olhava para a pilha, lia a coluna, sentia vontade de comprar… comprei. Nem chegou a descansar na estante.
No mesmo dia, para ser exato, no mesmo instante em que comprei o livro, sentei para tomar um café e comecei a ler as primeiras páginas. É chiclete, impossível de limpar da mente! Depois do trabalho, voltei lendo no metrô, li antes de dormir e não parei mais até terminar. A qualidade da cronista (colunista) eu conhecia, da escritora eu suspeitava, mas só agora posso atestar. Que descoberta (pessoal)! Mas vamos ao livro, depois volto à escritora e aos gaúchos.
O curto romance tem muitas qualidades, a começar pela narrativa original. A partir de um acidente de automóvel em que morre a jovem Antônia, acompanhamos a transformação na vida de diversos personagens ligados a ela de alguma forma. A história se desenvolve com as reflexões de cada um desses personagens, que buscam compreender desde as causas do acidente passando pela importância de Antônia em suas vidas, chegando até uma nova etapa em que, agora, tudo é diferente.
Difícil, para cada um deles à sua maneira, é aceitar a modificação súbita, mais interna que externa, provocada pela perda de uma pessoa próxima e querida. E essa quebra de ritmo, essa mudança de planos inesperada e imutável é o que aproxima os personagens espalhados pela vida da jovem.
Ponto especial do livro é a ‘verdade’ que pula das páginas, provocando no leitor a sensação quase real de assistir a uma partida de sinuca no Bar do Polaco, com um copo de cerveja e um cigarro nas mãos ao som de Guns n’ Roses, dada a clareza da ambientação, com um detalhamento sem exageros, mas preciso. E a sensação é agradável, a despeito do luto constante do livro.
Mais qualidades? Os personagens são muito bem elaborados. E são muitos (sete), de classe social e formação cultural bastante diferentes. A linguagem simples e coloquial (proposital) faz o leitor notar as diferenças sem esforço, o que não é fácil de conseguir.
Outra, para quem foi jovem, ou adolescente, nas décadas passadas, há um enxame de referências musicais e literárias que ajudam a levar esse leitor em especial a compreender, talvez mesmo sentir, o que sente cada um deles.
E por aí vai Carol Bensimon costurando uma história comovente, realista e muito bem contada, o que me faz voltar à atual cena literária gaúcha questionando o que faz o Rio Grande do Sul para surgir tão bons autores numa mesma safra. Talvez seja o chimarrão, que já incluí na minha dieta.
Detalhe legal, Carol foi finalista do prêmio São Paulo de literatura, Jabuti e Prêmio Bravo!, com Sinuca embaixo d’água.
Sinuca embaixo d’água
Carol Bensimon
144 Páginas
Preço sugerido: R$39,50
Sobre o autor: Fernando de Abreu Barreto, advogado, 35 anos e mora no Rio de Janeiro, trabalhou com cinema, cursou comunicação social. Há alguns anos tem se dedicado à literatura escrevendo contos e buscando editoras para publicar romances. Enquanto o tempo passa e uma resposta não vem, escreve em um blog pessoal resenhas de livros que lê. Aliás, lê compulsivamente, ouve música compulsivamente, assiste a filmes compulsivamente, só mesmo ao Direito se dedica com pouco afinco (rs). Escreve no Crimineliber.
“Os personagens são muito bem elaborados. E são muitos (sete), de classe social e formação cultural bastante diferentes. A linguagem simples e coloquial (proposital) faz o leitor notar as diferenças sem esforço, o que não é fácil de conseguir.”
Concordo que os personagens são bem elaborados. AMO a coluna dela no Blog da Companhia.
Agora a questão da voz dos personagens é algo que decepcionou todos os amigos que me recomendaram o livro. Todos eles fizeram o possível para evitar dizer do que é que não tinham gostado antes de eu começar a leitura (um deles até ficou aliviado por saber que eu não lera ‘Enquanto agonizo”, do Faulkner). Mas isso eu percebi claramente quando virava as páginas: todos eles soavam como a mesma pessoa. Ao menos os três mais reincidentes. Se você se perdesse numa divagação dum personagem e se esquecesse de como é que chegou lá (fatores que fazem com que nos lembremos de quem é o narrador daquele capítulo), você simplesmente não consegue diferenciá-los. “Peraí, esse capítulo é do Polaco ou o quê?” era um pensamento recorrente. Como Michel Laub disse um dia, é bem fácil colocar gírias recorrentes, vícios de linguagem para diferenciar os personagens, mas isso é o jeito fácil (que nem ele, nem a Carol usam), isso não é criar personagens complexos, ou criar uma voz para cada um deles. Criar uma voz é muito mais difícil e acho que não foi dessa vez. Todos eles soam o mesmo.
Outra pequena coisinha de que gostei, mas que depois ficou martelando na minha cabeça: o primeiro capítulo com rollers parece querer fazer algo como “O ciclista urbano”, primeiro capítulo do “Mãos de cavalo” de Daniel Galera. E fica muito aquém, apesar de ser legal.
Talento ela mostra que tem. Quero muito ler “Pó de parede” e o novo romance que ela tá elaborando. A Sinuca serviu para incitar a curiosidade.
Arthur,
Primeiro, obrigado por ler a resenha.
Já ouvi essa crítica de outra pessoa e ouso, tremendamente, discordar. Acho que os personagens têm sim voz própria. E não por expressões particulares, mas porque nota-se que são diferentes em aspirações, pensamentos, objetivos.
O que deve ser levado em conta é a intimidade entre eles e as circunstâncias em que estão envolvidos, que os aproxima muito. No entanto, a própria forma como cada um deles absorve o acontecimento central, como digere a tragédia comum, os diferencia bastante.
De todo modo, é sempre bom que haja discordância e discussão, que é o que engandece a literatura e, por fim, acaba sendo o mais divertido de tudo.
Abraço e bom Natal!!!
Fernando.
Arthur,
Ah, faltou uma coisa, quando me referi a linguagem, não quis dizer JAMAIS que a autora usou o expediente de gírias e afins para diferenciar os personagens, quis dizer que aproxima o leitor da trama, deixa claro as diferenças culturais das personagens (o que não é artifício, mas algo natural quando e no que eles são diferentes).
Abraço,