Eis que inauguro uma nova série de posts aqui no Meia Palavra: os contos essenciais. Não acredito que uma explicação muito detalhada acerca disso seja realmente necessária, já que o nome é bastante auto-explicativo. Mas cabem alguns detalhes: mais ou menos uma vez por mês um dos membros da equipe irá escrever sobre um conto que considere essencial. O conto não precisa ser famoso, bom ou ruim, apenas essencial. Na opinião de quem o escolheu, é claro.

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Rodrigo Fresán é um dos mais importantes escritores de língua espanhola da atualidade. O fato de sua obra ser pouco difundida no Brasil se deve, provavelmente, apenas à ausência de traduções: apenas seu Jardins de Kensington foi lançado por aqui, pela editora Conrad. Felizmente o espanhol não é um idioma tão inacessível, sendo que muitos podem lê-lo no original.

Em Pruebas irrefutables de vida inteligente en otros planetas (Provas irrefutáveis de vida inteligente em outros planetas), conto presente no livro La velocidade de las cosas, lançado pela última vez em 2006 (a cada reedição Fresán aumenta a quantidade de contos e reescreve muitos deles) pode-se ter uma bela amostra de todo o microcosmo criado pelo argentino: a cidade de Canções Tristes, o planeta Urkh 24, a ácida autocrítica aos argentinos, os flertes com a ficção científica e a cultura pop e inúmeras perversões e invencionices históricas.

O conto trata de Hilda – um menina de oito anos, filha de um casal de modelos, Daniel e Diana, e que sempre que responde o que quer ser quando crescer diz que quer “ser a pessoa que descobrirá provas irrefutáveis da vida inteligente em outros planetas”.

Daniel e Diana são lindíssimos, em contraste com a filha, a menina mais feia do mundo. Hilda nasceu de sete meses, morta, e de maneira inacreditável, recuperou-se – mas não chorou ao nascer, nem nunca mais. Além disso, a menina é obcecada com tudo que trate sobre o universo, acredita ser uma extraterrestre vinda de Urkh 24, um planeta onde ela seria a menina mais linda do mundo, e acorda durante a noite gritando por causa do buraco da camada de ozônio.

Existem várias histórias entremeadas a de Hilda: a história de Daniel e de Diana, como se conheceram, como se amaram, e como Diana morreu. A obsessão de Daniel com Diana, especialmente depois de morta, e seu desprezo pela filha. A história de Chica Agüita, a mãe do narrador – que, aliás, é o fantasma do amante de Diana, que mistura as coisas que sabe ao que assiste em um televisor, no além.

O conto é de uma complexidade enorme, a despeito de uma das primeiras afirmações ser a de que foi a escolha mais fácil, a de se olhar para uma história particular e não para a história universal. Mas é, como todos os contos de Fresán, um conto universal, sobre a modernidade, sobre a velocidade do mundo, sobre a tecnologia, sobre estar em todos os lugares e em nenhum. É um conto sobre como as pessoas são vítimas da beleza e, pior ainda, vítimas de si mesmas.

Tudo isso com uma linguagem bastante peculiar, onde misturam-se citações, reais e inventadas,  a músicas, livros, filmes e outras coisas mais. Repetições de frases, de modo quase formulaico, também são extremamente comuns, assim como promessas e indagações a respeito da própria narrativa.

Enfim, o conto não só é um dos melhores de Fresán – e um dos mais emblemáticos, já que tanto Hilda quanto Urkh 24 aparecem em quase toda sua obra – mas provavelmente um dos mais poderosos de toda a narrativa em língua espanhola desse começo de século.