Com o único objetivo de propagar o interesse por autores que venham com a famosa bandeira azul, branca e vermelha ao seu lado, resolvi escrever sobre a obra de um autor de literatura francesa, Auguste de Villiers de L’Isle-Adam. A pergunta da grande maioria deve ser: “quem é esse ser de nome complicado?” Por incrível que pareça, um dos responsáveis por definir a literatura do início do século XX, segundo opinião de críticos (velhos, mas) renomados, dentre eles Edmund Wilson. Villiers, conde pertencente a uma família nobre (e decadente) da França, se tornou um dos maiores autores da literatura do fim do século XIX ao incorporar em seus textos características muito relacionadas a uma figura que se tornou comum a partir dessa época: o outsider (ou marginal). Esse marginal decadentista não se trata exatamente de um mendigo ou alguém segregado por motivos financeiros, mas sim de alguém que, com o advento da modernidade, se viu deslocado da sociedade por diversas razões. Não sendo essas figuras associadas meramente a fatores econômicos, podemos entender que dândis como Villiers de L’Isle-Adam, Oscar Wilde e muitos autores do fim do século XIX se sentiam distantes dos outros por não aceitarem viver a vida como eles.

Uma das únicas obras de Villiers com tradução brasileira, Axël, engana o seu leitor desde o início quanto ao gênero literário ao qual pertence: parece ser uma peça de teatro, mas ao mesmo tempo possui linguagem muito lírica e obscura e uma forma de prosa. Para entender essa situação, leia-a e tente visualizar uma representação sua no palco do texto. É estranho imaginar falas como as de Axël na boca de um ator. Apesar disso, a estrutura da obra é basicamente a de uma peça, dividida em quatro partes denominadas “O mundo religioso”, “O mundo trágico”, “O mundo oculto” e “O mundo passional”. Villiers, que já considerava esse texto como sua obra-prima desde a revisão, planejava ainda criar uma quinta parte (apesar de já ter gasto vinte anos para escrever as outras quatro), porém, acabou por morrer antes disso e deixou toda uma geração no vácuo.

Como pode se observar, Axël é uma obra de certa complexidade que pretende abranger mundos diferentes, porém, o que acontece é que ela faz isso através de apenas algumas personagens. Duas são essenciais: Axël de Auërsperg e Sara de Maupers. Tudo começa focado em Sara e na sua trajetória como órfã criada em um convento até o momento que abandona a igreja para buscar uma nova vida. Em seguida, conhecemos Axël, supostamente o protagonista, que aparece só na segunda parte, na qual uma tragédia acaba por fazer com que ele note que sua estabilidade de nobre isolado em um castelo numa região (imaginária) da Alemanha está ameaçada. A terceira parte, muito menor que as outras, apenas nos fornece dados para entender um lado oculto e místico da vida de Axël. Somente na quarta parte que temos o encontro entre Sara e Axël em uma atmosfera atípica que induz a decisões sobre o amor e a vida.

Ainda que não pareça, as duas personagens têm dramas muito semelhantes nas suas vidas que têm muito a ver com a situação do outsider: os dois buscaram fugir da sociedade e dos seus padrões de conduta para viverem isolados, longe de problemas, porém, quando se encontram, percebem que isso não é possível. Trata-se de um drama muito moderno, que retrata como, diante da modernidade e dos padrões burgueses estabelecidos no século XX, há muitas pessoas que surgem contrárias a isso, mas nem sempre sabem como lidar com essa posição. Por isso, é bom destacar que a fala mais famosa dessa peça é justamente de Axël ao final, quando diz: “Viver? Os criados farão isso por nós”. A fuga do mundo lhes parecia ser a melhor solução.