Existem alguns espaços – tanto geográficos quanto temporais – que o senso comum considera como sendo eras negras, vazias de qualquer cultura que tenha algum valor, seja este artístico, científico ou moral. Deixemos de lado a discussão (importantíssima, mas que não cabe aqui nesse momento) sobre os perigos de se definir juízos sobre o ‘valor’ de qualquer objeto cultural, e falemos sobre a falácia que tais afirmações são.

Já é mais ou menos sabido que, de ‘Idade das Trevas’ a Idade Média não tinha nada: já dizia Edward Grant que ‘se pensamentos racionais revolucionários foram expressos no século XVIII, foi apenas porque a idade média consolidou o uso da razão como uma das mais importantes atividades humanas’. Isso para não atacar, uma a uma, as realizações em diversas áreas, indo desde a revolução agrícola de Jethro Tull até A Divina Comédia, de Alighieri.

Do mesmo modo, é de se supor que os anos da Cortina de Ferro, em que a URSS e seus países alinhados no leste europeu viveram sob a rígida direção do Partido Comunista, tenha sido um período mais criativo do que o senso comum costuma pensar. Ainda durante a Guerra Fria, muitos escritores, pintores, cineastas e cientistas soviéticos ficaram famosos no ocidente. Mas tratavam-se, via de regra, ou de exilados ou de informações que nos chegavam truncadas, adulteradas.

Em Os Escombros e o Mito – A cultura e o fim da União Soviética o acadêmico Boris Schnaiderman – judeu russo de origem ucraniana, mas que reside no Brasil desde a juventude – embrenha-se na poeira da queda do poderoso império criado por Lenin, Stálin e colegas para tentar descobrir o que perdemos.

Ele admite que consegue muito pouco: é informação demais, em áreas demais e, muitas vezes, é doloroso demais reconstruir a história de perseguições, censura e terror que os intelectuais daquele gigantesco e contraditório país viveram.

São trinta capítulos em que Schnaiderman, misturando erudição e bom humor, faz o máximo para abraçar todo o conhecimento que puder e trazê-lo ao público brasileiro: fala muito sobre literatura, é verdade, mas não deixa de lado o cinema, a música (falando tanto sobre música erudita quanto sobre rock), as artes visuais, o teatro, a ciência e nem mesmo o meio ambiente. Lança alguns olhares, ainda, sobre as revistas e os jornais – e as rápidas e surpreendentes transformações que estes sofreram com o renascimento de uma Rússia não-soviética.

É um livro esmagador, e é aconselhável que o leitor esteja bem equipado. Um bloco de anotações, uma caneta e um computador podem ser aliados excelentes – se o livro trata sobre um período em que a informação era controlada de maneira extremada, em tempos em que ela circula de modo tão livre como hoje em dia a obra pode funcionar como uma gigantesca lista comentada de obras e filmes a serem pesquisados e apreciados.