Mês passado, no dia 14 de fevereiro, foi comemorado o Dia de São Valentim, que para outros países no mundo é o Dia dos Namorados. É nesse dia que faço bodas com a vida, e coincidentemente – ou não – minha irmã caçula também. Por mais velho que esteja, ainda recebo presentes, em grande parte livros – como citei em outra coluna – não muitos, mas o suficiente para abastecer uma coleção incipiente de estatuetas de super-heróis ou uma estante improvisada de livros. Durante a vida tive a sorte de ganhar coisas inusitadas ou óbvias – desde brinquedos até um canivete com uma lanterna. Alguns tão óbvios que no Natal de 2006 ganhei dois exemplares de A insustentável leveza do ser e outros dois de Humano, demasiado humano: troquei aqueles que não tinham dedicatória, afinal, coitado de quem penou horas – assim como acontece comigo – para escrever uma frase bonita na folha de rosto.

Nesse ano, como em outros, reuni os amigos (de colégio, de faculdade, de bares, de internet, de trabalho) sem intenção de ganhar presentes (nem era pré requisito para entrar no bar!). Não adiantou. Entre alguns dos presentes, ganhei do Gigio, colaborador aqui do site e membro do nosso fórum, o livro White Teeth, de Zadie Smith, autora inglesa que conheci pelo seu segundo romance, O caçador de autógrafos, em uma edição da coleção Penguin Ink.

A Penguin Ink relança alguns de seus títulos com capas feitas por renomados tatuadores e artistas do mundo todo, no caso do exemplar que eu ganhei, a artista escolhida é Lynn Akura, tatuadora nascida na Bélgica. Entre os títulos lançados, ainda tem The Broom Of The System, de David Foster Wallace e ilustrações de Duke Riley; Alta Fidelidade, de Nick Hornby e ilustrações de Russ Abbott; ou mesmo O Diário de Bridget Jones, de Helen Fielding e capa de Tara McPherson. Ao meu ver, as capas desenhadas por tatuadores tem um charme mais especial, sem desmerecer os outros artistas, longe disso. E só de ver essas capas me lembrei de um antigo fetiche meu: tatuar algo ligado a literatura.

Demorei anos desenvolvendo a ideia de tatuar algo relacionado a livros – não queria que fosse uma frase, apesar de existirem muitas espalhadas por aí, como uma das minhas favoritas: “And when he came back to, he was flat on his back on the beach in the freezing sand, and it was raining out of a low sky, and the tide was way out.”, última sentença de Infinite Jest, do Foster Wallace -, ou a assinatura d’algum autor que gosto. A primeira ideia que me veio a cabeça era ter algo relacionado a Grande Sertão: Veredas na costela e demorei muito tempo para encontrar um desenho que me satisfizesse. Após quase dois anos, encontrei uma xilogravura à época do lançamento do livro que expressava a frase “O diabo na rua no meio do redemoinho”, que nada mais é que o subtítulo do livro (não, isso não é exclusividade de tradutores de títulos de filmes aqui no Brasil).

clica pra ver grande, mas nem tanto

O grande problema desse desenho não é aquele de “e se eu enjoar depois de um tempo?”, mas o de ser uma ilustração com traços que brincam com duas cores inversas (preto e branco) – se feita errada eu poderia ficar com um borrão preto pelo resto da vida e, sejamos francos, um borrão é difícil apagar. Pensei até em inverter as cores, onde estaria preto colocaria branco e vice-versa. Contudo, outro pequeno empecilho surge: como fazer, usando o meu tom de pele, parecer que existe um redemoinho onde na verdade parece um grande mar de leite (ah, Saramago, já descobriu se Deus existe?). Já homenageei Amós Oz, mas o Rosa seria um grande desafio, assim como Ingmar Bergman foi, quando pensei usar a silhueta das atrizes Bibi Anderson e Liv Ullman em Persona, meu filme favorito do diretor.

Persona

Certa vez pensei em colocar aquela humilde frase “Nihil obstat” (Nada impede), usada pela Igreja católica para aprovar obras que não feriam a moral e os bons costumes cristãos, mas que muitas vezes fora usada por editoras para outros tipos de publicações – como o próprio André Sant’Anna falou ao seu pai ao ver o último manuscrito, O livro de Praga. Dependendo do lugar que fosse tatuado seria motivo para piadas infinitas e inevitáveis.

Poderia ter tatuado tudo isso, todas as ideias que tive me agradam até hoje, mas considero que o desenho tem que ser perfeito. A questão do arrependimento é outra coisa, o que me interessa é olhar aquele desenho e ter a certeza de que nada que fiz poderia ter sido feito melhor até então. As duas que tenho hoje e que estão separadas por mais de cinco anos são prova disso, uma mais simples no pulso carrega uma grande história e a outra, nas costas, além do significado, é um desenho do qual tenho orgulho por ser exclusivo.