A mente doentia de um roteirista que dá-se a tarefa de escrever uma continuação deve surgir da pequena interrogação: o que aconteceu depois? Em grande parte dos casos, e isso pode gerar discussões homéricas, as pessoas não aprovam as continuações. Algo se perde durante o novo processo de criação que faz não nos importarmos mais com os personagens – são os mesmos, mas por um motivo qualquer não são tão cativantes quanto antes, seja pelo novo rumo que tomarão (que nem sempre é uma continuação, mas os mesmos personagens em uma história distinta) ou pela falta de assunto, afinal, se a história-prima terminou é porque tudo já foi contado.

Todavia, os contos de fadas, comumente contados no boca a boca, trazem um final definitivo e, ao mesmo tempo, o infinito “e viveram felizes para sempre”. A partir desse trecho final Antônio Prata, cronista da Folha de São Paulo, resolveu contar o que é o felizes para sempre, e suas consequências nas vidas dos personagens de contos de fadas, em Felizes quase sempre, lançado pela Editora 34 e com ilustrações do cartunista Laerte Coutinho.

Conhecemos um príncipe e sua princesa que todos os dias fazem tudo que querem, porque vivem em um felizes para sempre. Só que a felicidade é algo estafante e torna-se limitada com o passar do tempo – tudo que está a mão dos dois perde a graça por ser fácil demais de conseguir, sem obstáculos, sem dores, sem nada. Os dois personagens principais decidem reunir todos os contos de fadas para acharem uma solução.

O desenrolar da história é divertido, as discussões, as soluções bizarras – como procurar os vilões e pedirem para voltarem – e até o “clímax”, se é que podemos chamar, tem toda uma graça e deixa o leitor mais velho pensar: Por que não? As ilustrações de Laerte estão sempre de parabéns – apesar de terem de se limitar a esse universo infantil, algumas, como o casal deitado de conchinha, são uma surpresa, eu nunca tinha imaginado como os casais de contos de fadas dormem juntos.

A mensagem didática é clara, todos precisam de uma infelicidade qualquer – de uma pancada no dedão a uma bronca dos pais – para apreciar os momentos contentes. E não só das desgraças, mas também dos dias de chuvas que dão mais alegrias aos dias de sol e a gripe para dar valor a saúde. Felizes quase sempre, literalmente.

PRATA, Antônio. Felizes quase sempre. Editora 34. Ilustrações: Laerte. 36 págs. Preço sugerido: R$28,00