Já tinha lido uma porção de capítulos e ensaios de autoria de Edward Palmer Thompson, e nutria por ele uma profunda admiração, seja por suas concepções humanistas, seja por sua simpatia popular, seja por sua prática historiográfica. Por isso é que resolvi, finalmente, encarar o calhamaço Costumes em comum – Estudos sobre a cultura popular tradicional por inteiro. Os resultados foram muito satisfatórios, diga-se de passagem.
Caso você esteja pensando: isso não tem nada a ver comigo, não sou nem antropólogo nem etnólogo nem historiador nem sociólogo ou qualquer coisa do tipo, sou só um cara que gosta de ler; bem, não se preocupe, por mais que em alguns momentos as exposições de evidências e documentos possam te desconcertar um pouco, Costumes em comum guarda reflexões interessantes não só para historiadores e demais estudiosos de Ciências Humanas.
Nesse livro, Thompson se volta para o século XVIII, onde, segundo acredita ele, se encampou uma batalha que moldou todo esse tempo (e em alguma medida o pós-século XVIII também): o enfrentamento cada vez mais evidente entre a economia de mercado, florescendo com o avanço das relações sociais tipicamente capitalistas; e a economia moral da plebe, baseada nos costumes. De um lado colocavam-se os arautos da economia liberal, segundo a qual tudo deveria ser devotado ao lucro; do outro, colocava-se a plebe, cujo modo de vida estava calcado na observância de certos costumes e de certa moralidade, que, como é de se esperar, se choca, não raro, frontalmente com as perspectivas patrícias.
As diversas faces desse processo de embate são investigadas por Thompson em cada capítulo, nos quais vemos estudos sobre a religiosidade popular, práticas como as skimmington ridings (onde as más condutas conjugais são ridicularizadas) e a venda de esposas, debates sobre direitos consuetudinários, leis em choque com costumes e direitos comunais, rough music e assim por diante. A familiaridade de Thompson com suas evidências é admirável (bem como a variedade delas empregadas no estudo), e seu diálogo com elas, em nível metodológico, teórico e empírico é uma verdadeira lição de historiografia e interpretação.
Sob sua tutela, conhecemos os rituais dos camponeses e grupos populares ingleses, tendo acesso a fontes riquíssimas acerca de seu cotidiano e o que Thompson chama de “cultura popular tradicional”, justamente o heterogêneo e complexo conjunto de saberes, práticas, costumes, usos e hábitos que constituem o modo de vida em que viviam esses sujeitos.
Descobrimos que o arsenal de estratégias de pressão dos camponeses é variado e bastante bem humorado, indo desde a queima de efígies até a pregação de peças. Descobrimos também que a venda de esposas, antes de uma humilhação brutal e machista, é um ritual socialmente endossado que ensejava um divórcio consentido por ambas as partes em uma sociedade com normas conjugais estritas. E ainda ficamos sabendo, em âmbito geral, que, ao contrário do que supõem certas visões elitistas, havia todo um universo de ricas práticas e concepções estruturando a cultura popular em oposição à cultura patrícia, “oficial” ou elitizada, tida como a melhor.
Thompson consegue extrair de suas fontes uma leitura perspicaz e interessante, que ele apimenta com sua escrita mordaz, temperada com boas críticas a linhas de pensamentos e escolas teóricas que são, a seu ver, falhas em reconhecer as vicissitudes do processo histórico. Seu diálogo com as fontes é motivado por uma simpatia profunda para com os plebeus ingleses do século XVIII e pela forma com que se organizavam enquanto grupo social em oposição a outros que os queriam subalternizar.
Boa parte do que se chama de tempos “pré-industriais” é desnudado aqui pelo autor (embora ele diga que possui um desafeto especial em relação ao termo “pré-industrial”), e é mostrado em seu antagonismo com uma sociedade em transformação, que passava das relações pessoais (chamadas por alguns, não sem crítica, de “paternalistas”) para relações monetárias. Não sem embates, no entanto. Exatamente esses embates que são tão celebrados por Thompson como espécies de “lições” para as lutas que tem que ser encampadas por nós em nosso tempo.
Reitero aqui: sendo você leitor costumeiro da literatura produzida pelas ciências humanas ou não, leia Costumes em comum. Qualquer um que já tenha sido posto diante das contradições do capitalismo – e creio que todos, em algum momento, tenham sido – irá encontrar nesse livro algo que lhes diga respeito, direta ou indiretamente.
Sou apaixonada pelo Thompson, e Costumes em Comum é um livrasso! Parabéns pelo texto!
Valeu Luara!
Bem que podiam reeditar o ‘Miséria da Teoria ou Um Planetário de Erros’, né? Acho que a última edição (oficial, não aquela edição pirata dos Luditas Sensuais, hehe) é de 1981, da Zahar, se não me engano.
Esse livro tem ótimos textos para quem quer adentrar no universo teórico do Thompson. Aquele capítulo sobre a Experiência e aquele outro, chamado ‘A Lógica Histórica’ são canônicos já.
Nem me fale! Tenho um exemplar do “Miséria” comprado em sebo por R$5,00! Ele tá todo cheio de durex, mas foi a base pro meu primeiro projeto de monografia (agora que pensei nele vi como faz tempo!).
Hoje tenho minhas ressalvas com o “Miséria”, acho o capítulo do “velho bufão” (ou alguma coisa assim) um pouco exagerado, algumas ironias me parecem grosseiras e tudo mais, mas é um baita livro! E uma nova edição seria mais do que bem vinda.
PS: Um trabalho só sobre o conceito de “experiência” em Thompson era minha intenção inicial. Não sei se teria peito pra encarar, mas ainda acho um grande tema.
Pois é, o que ele chama de “silêncios de Marx” não são tão silenciosos como ele dá a entender, né? Embora a experiência, assim em nível “individual” (com tantas aspas quanto forem necessárias nisso), não tenha, que eu saiba, sido motivo de estudo e teorização extensiva de Marx, ele não deixa de tocar nela muitíssimas vezes ao longo de seus escritos.
Alguns textos que ele publicou na Gazeta Renana, inclusive, trazem questões bem interessantes nesse sentido, pois tocam no cotidiano dos camponeses e agricultores da região onde ele morava, bem como, não raras vezes, dos operários, artífices e demais trabalhadores renanos.
Concordo plenamente que é um grande tema, e acho que é mais pujante atualmente do que era naquela época ainda, pois se levarmos em consideração que a individualização é um fenômeno muito comum e amplamente endossado pelos nuances sociais da economia capitalista, é de pensar que ele vem se agravando apesar dos pesares ao longo dos séculos. Um tema espinhoso, mas deveras fascinante.
sou estudante do 1° periodo de direito, e estou com uma trabalho sobre esse livro do Thompson, e estou com uma duvida cruel que precisa ser respondida para que eu possa concluir esse trabalho .
“o que Thompson diz sobre as leis de mercado neste livro?”
<3
to fazendo este trabalho de filosofia
voce precisa ler o livro.