Alguns livros são realmente difíceis de encaixar em alguma categoria. Não que isso seja estritamente necessário, mas às vezes – como na hora de organizar as estantes de uma livraria ou biblioteca, ou de criar tags para uma resenha – ajuda. É o caso de A conquista da América – A questão do outro, obra do búlgaro Tzevetan Todorov. À primeira vista, trata-se de um livro de história: fala, afinal, sobre como Colombo reagiu quando encontrou os habitantes das “Índias Ocidentais”, sobre a complexa relação envolvida no embate entre o conquistador espanhol Cortez e o imperador asteca Montezuma, além da maneira como se deu a aculturação dos nativos do México.

Foi-me indicado, porém, em uma aula de teoria da tradução. Quiçá por isso eu tenha dado um pouco de atenção aos detalhes que envolvem as línguas e a própria tradução. Pois está tudo lá: Todorov fala sobre as traduções que alguns padres fizeram de obras indígenas – traduções que, possivelmente, eram bastante distantes das originais mas que, de certa maneira, eram ainda extremamente fiéis.

Além disso a obra ainda pode ser encarada de muitas outras maneiras. Mas acredito que, mais do que qualquer coisa, sua intenção esteja explícita já no subtítulo: busca, através de estratégias várias – falando sobre a história, sobre tradução, sobre línguas – definir a alteridade e como nos relacionamos com ela. Todorov poderia muito bem ter escrito um livro sobre judeus, mulheres ou até crianças e alcançar resultado semelhante. Porém, acredito que a escolha do continente americano como objeto de análise seja bastante acertada – aos olhos do homem branco europeu (que, hoje em dia, independente da cor de pele e do continente em que vivemos, é o que somos – por questões culturais) fundava-se um novo mundo, em que existiam novos seres humanos, novos idiomas, novas paisagens e, por consequência, novas relações dos homens entre si e dos homens com o mundo.

São quatro partes, cada uma dividia em três capítulos e mais um epílogo. Na primeira (chamada, sugestivamente, de “Descobrir”) Todorov analisa as reações de Colombo ao chegar no novo continente, e ao explorá-lo – tudo a partir dos diários e cartas do próprio Colombo e de pessoas que o acompanhavam. Busca demonstrar que o descobridor foi o tempo todo movido por preconceitos: maravilhou-se com a natureza, é certo, e não deixou de observar os índios com o mesmo espanto, mas isso já fora decidido previamente.

Em seguida, na parte denominada “Conquistar”, é a guerra entre espanhóis e astecas o objeto central. Novamente partindo de documentos da época – o que, aliás, é uma constante durante todo o livro – o autor lança um olhar crítico sobre os motivos de os espanhóis, com um exército relativamente pequeno e dificuldades para angariar reforços e recursos, terem vencido o grande Império Asteca, que dominava praticamente toda a América Central, com relativamente pouco esforço. Aponta que foi a astúcia de Cortez ao utilizar de símbolos, notadamente os símbolos que eram mais significativos para seu inimigo.

Nas duas partes seguintes, “Amar” e “Conhecer”, é o período posterior à conquista que é relido: o modo como os espanhóis destruíram a civilização asteca, como os assimilaram. E, também, o modo como foram assimilados – gerando uma nova cultura, nem espanhola e nem índia, mas mestiça. Mas que, apesar de tudo, pertence a um universo europeu – pois é assimilada e assimila essa cultura, e não a dos índios. Analisa ainda a obra de padres católicos que buscavam catequizar os mexicanos, e que apresentavam maior ou menor grau de conhecimento e respeito pela cultura nativa.

A conquista da América é um dos livros mais inteligentes que tive a oportunidade de ler. E, conquanto não é uma leitura demasiado simples, também não é complicada de maneira desnecessária: Todorov não incorre em academicismos ou hermetismos, o que torna o livro acessível mesmo àqueles não acostumados com a leitura de obras acadêmicas densas.