O que você faria se descobrisse, ao assistir um filme, que existe uma pessoa que é sua cópia perfeita? Como reagiria e de qual forma se comportaria diante desse fato insólito? Essa é a premissa de O homem duplicado, romance de José Saramago publicado em 2002.

Tertuliano Máximo Afonso, não bastasse o pitoresco nome, se encontra também nessa pitoresca situação. Ao assistir um filme recomendado por um de seus colegas, o professor colegial de História se vê diante de uma cópia perfeita sua, um ator coadjuvante que aparece no filme como atendente de recepção de hotel. Totalmente desconcertado pela descoberta, Tertuliano Máximo Afonso passa a perseguir mais informações a respeito do ator, assistindo a outros filmes em que ele poderia estar e, através de um meticuloso processo de pesquisa por eliminação, chegando à derradeira conclusão.

Estar de posse dessa informação, no entanto, não era o fim da história. Longe disso, aliás. As implicações subjacentes a essa comum aparência estavam muito além da mera constatação, algo mais parecia urgir de ser realizado. Por isso é que, munido do nome de seu gêmeo, Tertuliano Máximo Afonso passa a tentar encontrá-lo e consumar o cabal encontro, onde comparar-se-iam os dois para confirmar a condição semelhante a que estavam submetidos.

Saramago, com sua virtuosa narrativa, faz com que dessa situação fora do comum surjam outras tão incomuns quanto. Sendo a aparência dos dois igual, as potencialidades dessa similaridade eram gigantescas e várias, precisavam ser pesadas e, de alguma forma, aproveitadas. Não fosse essa uma resolução na qual comungassem os dois, seria levada a cabo pela iniciativa individual e, consequentemente, através da coerção do outro. Detalhes mais minuciosos aqui só viriam a fazer degringolar a surpresa dos eventos relatados no livro.

Por mais que o escopo de repercussões filosóficas de O homem duplicado pareça ser tão rico quanto o de outros livros de Saramago, seus desdobramentos, por mais que saciem as expectativas do leitor no seu caráter aventuroso, não mergulham tão profundamente no cerne da “natureza” humana procurando perscrutá-la em suas mais diversas propriedades. O virtuosismo pujante das reflexões de Saramago aparece aqui mais disperso, em uma ou outra frase que, por si só, já fazem quase valer o livro todo. É perceptível que por baixo daquela narrativa se esconde todo um modo de se enxergar os seres humanos, sua condição e sua “natureza”, seus atos, seus erros e acertos.

A busca de Tertuliano Máximo Afonso seja talvez passível de análise no sentido de que, tendo ele uma vida que esteja longe do que se convencionou chamar de “plena”, encontrar seu duplo seja parte de uma constituição de si próprio. A odisseia pela qual passa o protagonista seria, portanto, ontológica. Não sei até que ponto tal leitura encontra sustentáculos, mas não deixa de ser interessante concebê-la dessa forma, pois dela se extraem corolários curiosos, como a dificuldade que a caracteriza; ou como ela, antes de algo que ocorre a priori, é deslanchada pelo seu caráter fortuito, e assim por diante.

Se talvez o plot não soe tão saboroso para você, não se preocupe, a narrativa do autor faz a leitura valer a pena, é um emaranhado daqueles muito bons de se desemaranhar.