Os Estados Unidos na década de 20 vivenciou um momento histórico que ficou conhecido por muitos como os “loucos anos 20”. A economia norte-americana passou por um período de crescimento bastante intenso. A reconstrução européia no pós-Primeira Guerra Mundial ensejou a consolidação de uma produção aquecida e de um mercado que precisava de muitos produtos.

A literatura da época – ou parte dela – voltou-se a um hedonismo fomentado pelas fortunas criadas quase instantaneamente pela especulação comercial e financeira, além, é claro, do crescimento industrial. Por mais que esse processo fosse tropeçar nos próprios pés no fim da década, na Grande Depressão, não foram poucas as festas e as homéricas bebedeiras, embaladas por jazz e foxtrot a que as altas classes norte-americanas se devotaram.

Em 1920 foi aprovada a Lei Seca no país. Por motivos vários, o transporte, fabricação e comércio de bebidas alcoólicas foi banido do país. O resultado disso, entre outras coisas, foi o desenvolvimento de um mercado negro de bebidas, no qual várias figuras passaram a controlar toda uma rede de distribuição e entre as quais se encontra o célebre Al Capone.

Francis Scott Fitzgerald, um dos mais conhecidos literatos estadunidenses desse período, não só porque o viveu, mas também por tê-lo retratado ao longo de toda a sua obra. O grande Gatsby, romance de 1925, se passa precisamente nos salões e nas suntuosas festas regadas a bebidas ilegais e financiadas pelos magnatas e ricaços da aquecida economia norte-americana.

Embora Jay Gatsby viva dilemas quanto aos fardos que é obrigado a carregar com relação à sua riqueza; e que experimente com relação a ela um sentimento dúbio e melancólico, não se pode negar que ele é um retrato de alguns magnatas do período. Ao mesmo tempo em que o glamour toma conta do livro, subjacentemente há um sentimento de “vácuo espiritual”, resultado de uma busca incessante por sentido existencial, que não raro é afogado em whisky, gim tônica ou qualquer outro drink.

Se você leu O grande Gatsby (ou se se interessa por esse período), certamente irá gostar de assistir…

… à série Boardwalk empire. A série da HBO teve seu primeiro episódio dirigido por nada mais nada menos que Martin Scorsese. O aclamado diretor atua como produtor da série. A inspiração e a base vieram do livro Boardwalk empire: the birth, high times, and corruption of Atlantic City (Império do “calçadão” : o nascimento, o apogeu e a corrupção de Atlantic City), de Nelson Johnson, sendo que a série já conta com duas temporadas, com contrato renovado para uma terceira.

A série retrata o comércio ilegal de bebidas em Atlantic City, em Nova Jersey, durante o período em que imperou a Lei Seca. A forma como se conjugam o crime organizado e o poder governamental, a maneira como a legalidade e a clandestinidade se aproximam e se distanciam a todo o momento são algumas das marcas de Scorsese que fazem com que a série tenha uma tensão o tempo inteiro.

Steve Buscemi interpreta Nucky Thompson, o prefeito de Atlantic City que está totalmente ativo no mercado negro de bebidas. Seu irmão, o delegado da cidade, e toda uma rede de contatos, contrabandistas e capangas se espalha por todo o tracejado da cidade e do país. A maneira como várias trajetórias individuais (do detetive Van Alden, da viúva Schroeder, do ex-soldado Jimmy Darmody e outro mais) vão se amarrando e orbitando em torno do comércio ilegal fazem da série uma audaciosa e muito bem orquestrada produção.

Através de Nucky Thompson, que é de certa forma um Gatsby sem melancolia, escrúpulos ou remorsos, a série explora a década de 20 com muita violência, sangue e aquele estilo badass do cinema de Scorsese, passando por conflitos raciais, questões religiosas, beisebol e outros elementos emblemáticos do período. A série – como é de praxe das produções da HBO – tem uma produção incrível, não poupando na reconstrução do período através de inúmeras referências e todo um aparato de objetos de época. Desse modo, recria-se com apuro os “loucos anos 20”, mostrando-lhe uma faceta que não ficou tão conhecida quanto seus arroubos boêmios.

Nota: O “boardwalk” é uma espécie de “calcadão” de madeira, parecido com um deck, que se estende ao longo das praias de Atlantic City. “Calçadão” provavelmente não é a melhor tradução, mas é a que melhor remete ao local onde boa parte da trama se passa.