Quando se procura algo, ou alguém, deve-se ter uma leve noção do que é que se quer e como se quer, uma mínima ideia para que seja lá o que for procurado não seja um simples equívoco. O problema maior é perseguir uma abstração que não se sabe a forma. É com esse intuito que Procura do romance, do jornalista e crítico literário Julián Fuks, sustenta-se em sua narrativa metalinguística e labiríntica com referências (e citações) claras a Kafka, Joyce e Camus, quando seu personagem principal procura uma história, um romance que será escrito a partir de suas rememorações ao visitar o apartamento onde passou a infância. Em primeira instância uma ficção com tons autobiográficos que se transforma em um estudo sobre si mesmo, cheio de retóricas, pulos no tempo e mudanças de narrador.

Caindo em armadilhas de percepção e desenvolvimento, e porventura atrasando seu processo criativo, Sebastián é o antagonista de sua vida imaginando como seria escrever o romance, mas sem começar a se dedicar à escrita. O mais interessante dos fatores para o atraso é como ele analisa a sua falta de naturalidade quando começa a imaginar como seria transpor suas atitudes num momento cotidiano em pura narrativa. Não deixa de ser instigante como o personagem prestes a ser concebido é tão mutante quanto seu criador. Ou mesmo a dificuldade de criar um segundo personagem que seja crível o suficiente para contribuir com algo significante ao romance em branco. Há também aquela velha constatação de que ideias lhe fogem e nunca ficam tão boas no papel quanto na cabeça – muitas pessoas ao longo da vida têm essa epifania.

A autorreferência parte diretamente da história do autor verdadeiro, não do personagem, que é filho de pais argentinos e viveu grande parte da vida em São Paulo. Fuks mergulha em momentos de puro sadismo ao retratar o reencontro de seu protagonista com o apartamento de sua infância. Na linguagem procura uma maneira rebuscada e desnorteante para descrever o reconhecimento daquele local – o que me fez quase desistir da leitura a princípio por parecer um exercício pomposo, mas que se revelou chave importante do que viria a seguir. Não obstante, o personagem e o narrador demoram a estabelecer um ponto de partida, ou seja, o pretenso escritor dentro de Procura do romance não sabe por onde começar sua história – se pelo presente ou pelo fim, se pelas memórias e lembranças ou fantasias com tons de realidade -, criando uma barreira.

O clamor para se construir uma história original acaba causando o efeito reverso, a narrativa do protagonista desconstrói a prosa de maneira curiosa. Ao julgar o que seria bom, ou não, entrar no famigerado romance, Sebastián cria um anticlímax quase doentio, evitando avançar na trajetória que seria a natural de qualquer livro: ser escrito para ser lido; e em qualquer espécie de sentimento que possa ou queira transmitir, o que até certo ponto não pode ser considerado um elemento negativo. Se levarmos em consideração que Procura do romance é um anti-romance, a ligação entre leitor e personagem não deve existir, ou melhor, deve ser destruída aos poucos. A identificação é contrária ao que Sebastián tenta ser.

A maior ironia intrincada nas 144 páginas reside em evitar referências aos personagens das obras citadas ao longo da narrativa, como Ulysses, Retrato do artista quando jovem e A Metamorfose. A manobra de citar Stephen Dedalus e Leopold Bloom para logo em seguida negá-los é divertida. A transformação de Sebastián, comparada a de Gregor Samsa, não é nada. O jovem argentino ainda está em seu casulo no meio do percurso, e é esse processo que o aproxima da ficção para poder se entender e dar uma razão verdadeira a sua história ainda não escrita.

Julián Fuks se empenha em contrapor o que é necessário em um romance, tornando a procura de seu protagonista uma verdadeira imersão no estado mutante das pessoas e de suas histórias reais, afastando-se da ficção. Procura do romance é quase a negação de um romance de verdade até seu desfecho, e o estranho é continuar fascinado com diversas passagens dessa não-história com tantas histórias.

FUKS, Julián. Procura do romance. Editora Record, 2012. 144 páginas. Preço sugerido: 32,90

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