Adoro bloomear pelas ruas da pauliceia chuvosa e nebulosa desde os minguados meses de junho e julho de 2009, quando encerrei a leitura de Ulysses. O motivo para começar a me interessar por James Joyce foi Os Infiltrados, de Martin Scorsese. Esse filme de 2006, que rendeu a Scorsese seu primeiro Oscar de Melhor Diretor em 2007, fala sobre o domínio da máfia dos descendentes de irlandeses em Boston – não julguem, só me interessei sobre a União Soviética após assistir Rocky IV. Parece banal, mas quando Jack Nicholson diz “Non serviam.” e o menino Colin – que na versão adulta é interpretado por Matt Damon – responde “James Joyce”, um estalo bizarro me tomou de assalto. Nunca corri atrás do autor, nem sequer me interessei por ele e do nada um interesse é plantado e se desenvolve ao longo de dois anos – primeiro pesquisando sobre a Irlanda e depois sobre o autor em si.

Um fato curioso (para não dizer irritante) que me acompanhou, do dia que conheci e adentrei o mundo de James Joyce ao dia que encerrei a aventura de Leopold Bloom, era a negativa após negativa que a minha aventura, até então utópica, recebia. “É díficil”, dizia um amigo, “Ulysses é chato e só metidos a besta leem”, completava uma colega. Teimoso, não ouvi nenhum dos tais conselhos de amigos e encarei as obras do irlandês pirata e, em menos de um mês, estava na hora de enfrentar o catatau na tradução pioneira de Antônio Houaiss. A minha surpresa foi respondida pelo Luciano quase três anos depois: James Joyce não é tão difícil.

Para quem não conhece nem por cima o que se passa, Ulysses é a história de um dia na vida de Leopold Bloom pelas ruas da querida e suja Dublin. Um dia ordinário onde ele faz compras, vai ao banheiro e a um enterro, passa pelo bar e carrega uma batata no bolso. Há o paralelo com a Odisséia e também diversos símbolos, além da representação de cada capítulo por uma arte, o órgão e cada um desses com um estilo narrativo diferente; mas isso não te impede de explorar e se divertir com a leitura. É uma comédia sobre o cotidiano. E durante o meu cotidiano esse livro me acompanhou – idas e voltas de páginas criavam uma ansiedade e expectativa para pesquisar diversos termos que não me eram familiares -, mas só hoje noto o paralelismo entre o momento em que eu estava perambulando por aí e a leitura. Há também a minha vontade imensa de ficar juntando palavras como findessemana e findeano, mas creio que isso pode render outra coluna mais para frente.

Rememorando essa época, durante o tempo em que planejávamos o especial que ocorre essa semana, diversas lembranças reviveram para ilustrar o quão (a)típica foi a aventura com Ulysses. Grande parte da experiência se deu na época em que eu transitava entre empregos, tinha muito tempo disponível e ajudava em diversos afazeres familiares. Um dos principais era levar meu irmão mais novo à terapia. Somando espera e consulta, sobravam-me de duas a duas horas e meia de puro deleite. Filas de banco integravam a lista de lugares para ler junto com esperas para entrevistas de emprego e dentista; trechos da CPTM do ABC paulista até a capital e parado no ponto de ônibus. Nos momentos em que não estava com o livro em mãos, múltiplas epifanias povoavam meu dia-a-dia, seja ao ir ao banheiro até na simples olhadela para as ancas de uma mulher, podendo ser pego ou não. Meu dia e o dia de Bloom, unidos. Quanto mais me aproximava da conclusão do romance, mais eu queria observar e analisar dia após dia as minhas manias, novas e antigas.

O cotidiano bloomiano é o mesmo que o meu e o seu, e a todo momento ele pode ser ordinário, só que de vez em quando algo extraordinário acontece, não de tamanho, mas de significância. No Bloomsday, vou comemorar o que aparecer, seja banal ou incrível. Bloomear é se entregar ao dia e seus detalhes, é saber que tudo e nada acontece, que cada evento está pronto para criar uma nova mudança na sua vida, mesmo que você não a repare.