Um lançamento concorrido
Poucas vezes tinha visto um lançamento tão cheio em Curitiba.
O lançamento de Muchacha, de Laerte Coutinho, foi bem concorrido – pudera, uma lenda viva entre nós. O de Muito além do nosso eu, de Miguel Nicolelis, teve uma palestra com esse neurocientista brasileiro do qual devemos nos orgulhar. O de Cachalote, que teve as ilustres presenças dos Daniéis Galera e Pellizzari e dos Rafaéis Coutinho e Grampá, até agora foi o meu lançamento favorito – o mais engraçado foi que eu, para não dar uma de fanboy, resolvi ir ao shopping para acalmar os nervos e… dei de cara justamente com os Daniéis, conversando e andando com Caetano Galindo, que eu só conhecia por causa de uma palestra sobre Finnegans Wake que tinha visto alguns meses antes.
Repito: poucas vezes tinha visto um lançamento tão cheio em Curitiba. O de Ulysses, de James Joyce, era diferente dos citados anteriormente: por ser de um clássico; e por ter como principal atração não o autor da obra (morto, caso você ainda não saiba: por isso ele não pôde estar presente), mas o seu tradutor.
Nas cadeiras, colegas da universidade, amigos que curtem literatura, escritores e curiosos. Ainda que minha localização não fosse das melhores, meu consolo era o de que aquela pequena amostra do que são as aulas com o Caetano era algo que eu tinha toda segunda-feira e todo sábado de manhãzinha – nunca pensei que fosse gostar realmente de ir para a aula nesses dias, mas o fato é que eles meio que viraram meus dias favoritos. (Dane-se o distanciamento crítico, portanto.)
Why the Y?
Permiti-me, então, divagar um pouco. Ainda estava encucado com a questão do “Por que Ulysses com ‘y’ numa edição brasileira?”. Não costumo me fazer esse tipo de pergunta nem Joyce me ensinou a ser um leitor menos preguiçoso e a me indagar a respeito das coisas mais óbvias. A pergunta se devia, simplesmente, ao tradutor ter comentado em sala que havia uma boa razão para essa escolha e que… ele não contaria qual era.
Meu cérebro fervilhava com hipóteses a respeito da “Questão Y”. Seria porque a tradução dele seria a mais próxima do original, daí não se modificar o título em inglês? Seria uma forma de facilitar a qualquer texto crítico (escrito) a identificação da referência à tradução dele? Seria para tornar falhas as eventuais citações ao original – como forma de fugir aos Ulisses brasileiros –, uma vez que agora há um Ulysses tupiniquim? Seria pela presença da letra no sobrenome do autor? Cheguei a cogitar ser uma referência aos três personagens principais, mas essa interpretação esbarra num problema: Molly, Leopold Bloom (Poldy) e… Stephen Dedalus (Kinch) – se ao menos fosse Kynch! Retornando: seria devido à quantidade de “y” na obra?
(Ou vocês acham que, depois do mistério lançado, eu simplesmente aceitaria a explicação dada à Folha – porque “sempre nos referimos a ele assim” e porque “ficou lindão na capa”? Oh, really?)
A capa em questão
Esse papo todo me leva, então, a discutir um pouco a capa, de Raul Loureiro e Claudia Warrak. Alguns a amaram, outros nem tanto. Alguns viram logo de cara Ulysses, outros demoraram a entender a razão de haver um jogo de TETRIS na capa de um clássico. Concordo com muitos que viram um labirinto com paredes que não se encontram (uma metáfora forte que possibilita inúmeras interpretações) ou uma planta baixa da Dublin de 1904, com as letras indicando as andanças dos personagens. (Mais sobre isso vocês podem ler no fórum do Meia Palavra, no tópico sobre o livro.)
O que me intrigou, no entanto, foi a letra “E” na capa. Confesso, tenho TOC. Olhar para essa letra me dava uma espécie de agonia. Por qual razão ela estava tão distante do “U”? As letras, ainda que pareçam caoticamente dispostas estão alinhadas verticalmente e diagonalmente. Se não fosse o “E”, todas meio estariam perfeitamente encaixadas umas nas outras.
Folheando o livro, tive uma epifania. Enquanto Caetano falava sobre o vocabulário de Molly, resolvi ler as últimas palavras do livro. Uma pergunta: qual a palavra mais significativa, sem ser um nome próprio, que faz você se lembrar de Ulysses? Não sei quanto a vocês, mas, para mim, essa palavra é o “sim” final. (Corajoso o cara, né? Tornar um “sim”, uma das palavras mais ordinárias em qualquer língua, algo tão… joyceano.) Tão importante que o Houaiss colocou um (estranhíssimo) “s” a mais para que houvesse um caráter cíclico; tão imantado de significação que a Bernardina fez sua tradução começar com “Majestoso”, para os “m” estarem no começo e no final.
Quando vi a solução do Caetano, um “Sim” (com inicial maiúscula para denotar sua importância, sem, no entanto, ter a preocupação de iniciar e fechar a obra com a mesma letra: isso seria uma preocupação que Joyce teria mais tarde, em Finnegans Wake), me toquei: o “E” estava posicionado de forma a se alinhar perfeitamente com o “Y” e o “S” do meio!
Assim, “yes, nós temos Ulysses”: um Ulysses com um yes no título. Na hora em que percebi isso, a capa subiu em meu conceito de tal forma que a achei genial. Logicamente, eu poderia simplesmente mandar e-mail para o Sr. Galindo e perguntar a razão do “Y” no título. E, provavelmente, receber um sonoro “não vou responder” em resposta – ou um singelo “sua interpretação não tem nada a ver”. Mas, como disse ele, em sua “Nota do Tradutor”:
Uma última coisa. Por que Ulysses com y? Bom, depois de explicar tanta coisa aqui talvez eu possa me arriscar a usar as palavras que foram um dia de Guimarães Rosa e, recentemente, de Quentin Tarantino, quando lhe perguntaram o sentido da estranha ortografia de Inglorious Basterds: tem coisas que é melhor deixar para o leitor resolver…
Esta é, então, a opinião de um leitor comum sobre o tema. Qual é a sua?
Tuca, você merece um abraço. Eu achava essa capa do Ulysses bem feiona, mas agora… Sinta-se abraçado.
Valeu, Mavericco! ^^
o q me incomoda na teoria é que fica YSE se vc ler na diagonal, e não YES. mas fora isso tudo encaixa muito bem mesmo, gostei ^^
Também fiquei incomodado com isso, Anica. Pra mim ainda não faz sentido o “YSE”. Mas a sacada da capa foi boa.
Gente, isso foi algo que não explicitei realmente no texto: aquela reta não é pra ler ao contrário, mas como se fossa um anel de um planeta.Começaria no Y, faria a “órbita” do livro até chegar no E e, depois, no S.
mas seria uma órbita excêntrica =S
(desculpa, tenho toc tb hahahaha)
Bem excêntrica. 😀
(Ah, Tuca, avisa o Galindo que amei a intervenção direta dele no texto lá na Cultura). 😀
Huahahaha. Bom, planeta com anéis que se preza não tem anéis circundando JUSTAMENTE sua respectiva “linhas do Equador”. O anel é inclinado, mas tá perfeitamente retinho, como a imagem em 2D mostra. =P
Da próxima vez o que o vir (facul em greve e tals), falo isso pra ele. Como foi a sua “intervenção”? Comigo ele riscou “inglês” e substituiu por “caetanês”. Nos outros livros traduzidos por ele, ele deixou uns emoticons e riscou seu próprio nome em “tradutor”. =)
Na minha ele substituiu por “português” e riscou o nome dele como “tradutor”.
acredito que, entre tantas, tenha a ver com o Y parnasiano. Bloom – Florescer, etc. mas enfim….
O que exatamente seria esse Y parnasiano? Poderia googlar, mas só o farei caso você não volte aqui. =P
fiquei curiosa tb. para falar a verdade tenho trauma de parnasianismo então sei pouca coisa sobre isso =(
Não seria o Y do simbolismo? É que os simbolistas adoravam, além de iniciar palavras com letras maiúsculas, adicionar Ys nas palavras… (E o Ulysses é um livro todo construído numa cadeia de símbolos: cf. o Gilbert Schema, onde o Joyce correlaciona cada capítulo com um órgão, uma cor etc). O Fernando Pessoa também gostava do Y e dizia, quando fizeram um acordo ortográfico na época dele, que não deixaria de escrever a palavra “cysne” sem o Y pois era justamente ele quem dava a graciosidade do pescoço do animal (sobre isso, ver também que o Pessoa grafa o título de um dos primeiros poemas do “Mensagem” como “Ulysses”, dado que a substituição pelo Y adiciona um ar mítico à grafia). E, se observarmos a capa, notaremos que o Y participa de uma construção ambígua, sinuosa e um pouco labiríntica das palavras, onde todas elas ou apresentam bifurcações (como o próprio Y), ou caminhos falsos (o E), ou desvios (L), ou sinuosidades (S) ou desistências e retornos ao mesmo ponto (U). O I seria, nesse conjunto, apenas uma palavra reta que simbolizaria uma única via, uma única forma ou saída, estando na contra-mão do restante das letras.
Interessante interpretação, Mavericco.
Moi aussi, Anica.
Estão procurando pelo em ovo. O y é do título original, não tendo por que mudar novamente na terceira tradução nacional. O título com y é para diferenciar das outras traduções existentes, como a Cia das Letras já fez em outras ocasiões. Um exemplo? “Vestígios do Dia”, da rocco, foi transformado na posterior tradução da Cia das Letras em “Resíduos do Dia”, obra essa de Kazuo Ishiguro.
É uma possibilidade plausível, Gustavo. Eu não sou habituado a fazer esse tipo de pergunta por causa de uma letra, mas a curiosidade surgiu porque ela foi plantada lá, meio Inception.
Mas com clássicos a Cia costuma mudar assim o título, será? Eu lembro do “A importância de ser prudente”, que quase ganhou letras maiúsculas após um estudo de como a ambiguidade ficaria (o caso do adjetivo-nome), segundo relataram no Blog da Companhia, mas no final ficou igual às traduções anteriores.
Com clássico, eu não lembro de nenhum caso. Eles prometeram um título “mais condizente” para a obra de Proust, mas eu acho que, no máximo, se trocará, em um dos volumes, as “raparigas” por “moças” ou algo assim.
kkkkkk…..daqui a pouco o Dan Brown vai escrever uma saga sobre o Y do Ulysses….vou sugerir até o título: o Código de Ulysses….será o primeiro da série……Concordo com o Gustavo estão procurando pelo em ovo. Mas, mesmo assim gosto da polêmica, pois acho-a agradável. Abraços!
Hahahahahaha. Imagina: um cara é encontrado morto dentro de um Y escrito a giz no meio de Dublin. Quero ler agora!
Trecho de diálogo de “O Código de Ulysses”:
(Em cena se encontram Robert Langdon, especialista em algo-que-não-faz-o-menor-sentido, a tataraneta do James Joyce e um professor de Oxford que usa tweed).
Professor: O corpo foi encontrado dentro de um “Y” escrito à giz. No meio de Dublin! Durante o Bloomsday.
Robert: Quer dizer que o corpo foi encontrado em 16 de junho?
Professor: Exato. E veja o formato: um “Y”! Sabe o que isso significa?
(A tataraneta do Joyce olha para os dois esperando a resposta).
Robert: Sim, que a letra está entre o “X” e o “Z”!
Tataraneta: ¬¬.
Robert: Ou então que, de acordo com a capa dessa nova edição da Penguin-Companhia das Letras, o “Y” está em órbita excêntrica, apontando ao contrário em 360º. Mas para onde?
Professor: Acho que acabamos de descobrir… “O Código de Ulysses”!
😛
Gente, eu queria um botão de curtir pra fazê-lo 1000 vezes usando proxies com diferentes IP’s.
Sério, genial, Bruce! ^^
Um abraço forte, daqueles de amigo mesmo. =)
Obrigado pelo elogio, Tuca, mas vou te confessar uma coisa: escrever como Dan Brown é muito difícil – principalmente quando você já aprendeu a escrever. 😀
Não podia concordar mais. É preciso que não se saiba que se está escrevendo mal para fazê-lo com ingenuidade. Li o “Código Da Vinci” e queria meu tempo de volta. =/
Valeu Bruce…..achou o xYz da questão!!
Achar o “Y” da questão não é algo assim tão difícil; difícil é saber como alguém se daria ao trabalho de ler algo assim. 😛
Em tempo: quando sair “Finícius Revém” de bolso, eu faço “O Código de Finícius”. 😀
Bah, seria uma boa.
Sério, parem! PAREM! Para mim, estava super ok o lance de manter o título original, para diferenciar e coisa e tal. Aí, depois de ler o trequinho que o Tuca fez, eu comecei a ficar louca. Cês despertaram o TOC. Agora não consigo mais parar de pensar no Y. Não vejo mais um Y, ali, vejo um ponto de interrogação. hahahaha
Huahahahaha. TOC com acesso a montagenzinhas no Paint é um TOC didático: faz os outros adquirirem isso facinho.
Minha opinião é de que o Pips não devia deixar esse tipo de post ser publicado. =P
Beijo, guria!
Confundiram a capa pra gente não ter NADA pra entender em Uliysses.
Hahahaha. Sei lá, eu ainda não acredito na quantidade de gente que demorou pra ler ULYSSES na capa. =P
as letras do nome do livro na capa também formam, assemelhada, uma estrutura matemática bem conhecida, a Curva de Peano.
Taí algo que eu não conhecia. =)
to penando em algumas partes. alguma dica pra acompanhar o Ulysses do Galindo?