Começou dia 13 a Rio+20, a conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, que já traz no nome a proposta de repensar o que foi feito nas últimas décadas desde a Eco-92. Uma das cenas mais marcantes da edição anterior, muito relembrada nos últimos dias, mostra a garotinha de doze anos que subiu à tribuna para cobrar consciência e responsabilidade de uma assembleia semideserta. A certa altura ela denuncia os adultos por estarem deixando escapar a possibilidade de dizer às novas gerações estas simples palavras de conforto: “Tudo vai ficar bem. Não é o fim do mundo.” Não? Porque o que se vê hoje parece ser uma crescente desesperança, que por vezes beira a fixação apocalíptica, com reflexos até mesmo na literatura.

Severn Suzuki, a garotinha que calou o mundo

A preocupação com o final dos tempos sempre acompanhou a humanidade, mas apenas recentemente adquiriu dimensões ecológicas. Olhando através da ficção científica, vemos que para os primeiros grandes nomes – Julio Verne, H. G. Wells – a Terra permanecia inesgotável. A principal ameaça, para esses autores, estava contida dentro da própria ciência, cujas potencialidades ficariam ao alcance de algum “gênio maligno” como o Capitão Nemo ou o Dr. Moreau. Mas existe um sentido em que Wells, como em tantas outras coisas, foi precursor: o viajante de A Máquina do Tempo encontra um futuro que, embora terrível, não possui um culpado imediato. Suas causas foram produzidas indiretamente e por acumulação ao longo de muitas eras, da mesma forma como opera a destruição ambiental (embora, no livro, o desastre venha da divisão de classes das sociedades industrializadas).


Talvez isso envolva um exagerado malabarismo teórico e o mais certo seja considerar J. G. Ballard como o pai do subgênero do apocalipse ecológico. Em muitas de suas obras ele demonstra inquietação quanto aos rumos da humanidade, mas foi primeiramente em The Burning World, publicado em 1964 (tome-se como referência que o Greenpeace só veio a ser fundado em 1971), que se juntaram estes dois elementos: a ação humana inconsequente e graves reflexos ambientais. Nessa história, Ballard imagina que a acumulação de dejetos industriais nos oceanos passa a impedir a evaporação, interrompendo o ciclo natural da água e fazendo cessar as chuvas. O mundo vai se tornando um grande deserto, com as pessoas marchando para os litorais desesperadamente em busca de alívio.

Ao longo da década de 60, à medida que se acumulavam indícios de ingerência ambiental, seguia também a marcha do pessimismo. Um marco nesse percurso, em diversos aspectos, foi a publicação de Blade Runner, em 1968. Em meio a carros voadores e androides que se confundem com humanos, a Terra sofre os efeitos de uma guerra nuclear. Os animais foram quase extintos e mesmo os domesticados são tão raros que se tornaram sinais de luxo e status. As pessoas que possuem recursos buscam migrar para colônias fora do planeta, enquanto as que permanecem correm um risco progressivo de deterioração pela radiação residual. No futuro imaginado por Philip K. Dick, a ciência é quase tão perigosa quanto poderosa.

Algo que sua história ressalta, ecoando Wells, é a dificuldade intrinsecamente humana de se pesar decisões cujas consequências não sejam imediatas. Esse aspecto é bem ilustrado pelo vencedor do Nebula de 1980, Timescape, no qual Gregory Benford propôs uma versão limitada de viagem no tempo, em que apenas informação pode ser transmitida entre as diferentes épocas. Esse recurso é utilizado para enviar instruções ao passado (especificamente a 1962), de modo a reverter as causas de um iminente holocausto ecológico. Vista de uma certa perspectiva, a máquina do tempo de Benford parece o instrumento ideal para os nossos dirigentes: que as coisas sejam levadas às últimas circunstâncias e depois se tente desfazer o passado.

Existe a fuga no tempo e existe a fuga no espaço. Para a ficção científica, a solução nº 1 para os mais diversos problemas é simplesmente abandonar o planeta. Em histórias mais antigas, ela serve para escapar à fome, à guerra ou à ameaça nuclear, a exemplo do que ocorre em As Crônicas Marcianas, de Bradbury. Nas mais recentes, por outro lado, quase sempre se trata de abandonar uma Terra poluída à exaustão. O problema dessa solução, no entanto, é que ela parece cada vez menos simples desde o fim da corrida espacial. Correntes mais atuais, como a FC Mundana de Geoff Ryman, têm se mostrado mais céticas quanto a essa possibilidade, assumindo que o futuro provavelmente se limita a nós e a este planeta.

O que sobra então? Talvez a fantasia, a realidade virtual. Em Blade Runner esse aspecto está presente na fixação dos terráqueos restantes pelo personagem Buster Friendly e na imersão semi-religiosa do mercerismo, pela qual eles se conectam empaticamente aos sofrimentos de Wilbur Mercer (esses elementos ficaram de fora da adaptação de Ridley Scott). A ciência, neste caso, abandona sua aura milagrosa e se mostra incapaz de resolver o verdadeiro problema, a poluição radioativa, oferecendo apenas um alívio ilusório. Esse sentimento de descrença no caráter construtivo do progresso tecnológico, embora não seja novo, ganha destaque nas últimas décadas, como no subgênero cyberpunk dos anos 80, e segue presente em obras tão recentes como Jogador nº 1, de Ernest Cline.

Aos poucos, o aparente descompasso entre os desafios da sustentabilidade e o ritmo de inovação, somado ao desengano quanto às soluções tradicionais da ficção, tem levado a uma espécie de atualização dos cenários distópicos. O temor do futuro não arrefece, apenas se torna mais ajustado às novas expectativas. Se as histórias de Ballard soam hoje um tanto exageradas, o pessimismo já se reinventa através de novos subgêneros como o biopunk. No premiado The Windup Girl, publicado em 2009, Paolo Bacigalupi apresenta um mundo em que os combustíveis fósseis se esgotaram e a principal fonte de energia são baterias carregadas por trabalho manual. As empresas de biotecnologia, responsáveis pelas safras geneticamente reforçadas que alimentam bilhões de pessoas, controlam na prática o governo de muitos países. De modo geral, este parece ser o futuro visto dos nossos tempos: dominado pela escassez e a insegurança.

Vale observar também que a pressão da questão ambiental se torna tão forte nas últimas décadas que mesmo a literatura dita mainstream sofre a sua influência. Tome-se, por exemplo, Infinite Jest, o cultuado catatau de David Foster Wallace, que tem em meio ao seu enredo a transformação em aterro tóxico de uma extensa região entre os EUA e o Canadá. Ou o celebrado A Estrada, de Cormac MacCarthy, que embora não traga explicações quanto às razões da destruição geral do planeta, não poderia se encaixar mais plenamente às palavras daquela garotinha, encarnando o medo de um pai que não pode dizer ao seu filho: tudo vai ficar bem.

Mas esse clima geral de pessimismo, não tendo passado desapercebido aos leitores nem aos escritores, já tem inspirado reações. Resgatando os ideais da Era de Ouro de que a ficção científica deve ser visionária e estimular novas gerações de pesquisadores, Neal Stephenson tem liderado um movimento batizado de Hieroglyph, cujo lema, como uma resposta ao legado de Blade Runner, diz: “nada de hackers, nada de hiperespaço e nada de holocausto”.

Os desafios certamente são dignos das mentes mais criativas: apenas nesses 50 anos desde 1962 – ano que pode ser considerado o marco na emergência da consciência ambiental – a população mundial passou de 3 para 7 bilhões de pessoas, acelerando a necessidade de opções realmente sustentáveis de desenvolvimento. Hoje a preocupação com o meio ambiente está entranhada em nossas vidas, fruto de um destaque progressivo, que ultrapassa quaisquer modismos locais e anuncia a real importância da questão, do que a literatura é apenas mais uma evidência. A ficção científica, estando em situação privilegiada quando se trata de revelar nossos anseios e temores quanto ao futuro, serve como ferramenta, especialmente quando alcança esse seu extremo mais pessimista, para que nos preparemos e possamos agir em direção a algo melhor. Façamos, então, nossa parte.