A escritora Nicole Krauss, casada com o também escritor Jonathan Safran Foer, vem ganhando o público e a crítica por meio de sua envolvente prosa e sua forma toda especial de contar histórias de forma entrelaçada, a um tempo individuais e coletivas. Com uma estrutura muito similar a que usou em seu romance de 2010, A memória de nossas memórias, Krauss narra várias trajetórias simultaneamente em A história do amor, romance de 2005.

A trama toda parece girar em torno de uma peça central, o livro escrito pelo autor polonês Zvi Litvinoff, A história do amor, em que ele explora diversos aspectos do relacionamento amoroso de forma curiosa, através de suas manifestações gestuais, linguísticas e afetivas. A história de Litvinoff, no entanto, não é a única trajetória que encontra no livro sua narrativa, as vidas de Leopold Gursky e de Alma Singer dividem com ela as páginas do romance de Nicole Krauss.

Uma das características que torna a prosa de Krauss tão interessante é a maneira como as histórias vão sendo contadas em pequenos fragmentos, intercalando-se com a evolução umas das outras. O livro abre com o cotidiano de Gursky para depois pular aos relatos de Alma, seguidos por uma narrativa em terceira pessoa sobre a vida de Litvinoff para, enfim, voltar à narrativa de Gursky. Desse modo, o mistério vai sendo aos poucos desnovelado, e o leitor vai construindo as pontes que ligam as histórias umas às outras, construindo então o painel final que se desenha de forma definitiva no desfecho impressionante da obra como um todo – que, aliás, se dá nas últimas páginas.

É uma tarefa complexa – e mesmo um tanto ingrata – tentar resumir o enredo do livro. Gursky é um urbanóide que compartilha seus medos e seu dia-a-dia com seu amigo Bruno. Tem medo de morrer e não ser encontrado, pois não possui família que possa reclamar seu corpo e os ritos fúnebres que lhe cabem. Alma mora com sua mãe, uma tradutora dedicada, e seu irmão Bird. Ela divide seu tempo entre suas pesquisas quase obsessivas com relação à sobrevivência na natureza e a dedicação à vida amorosa de sua mãe. Litvinoff tem sua história contada de forma pormenorizada em um dos focos de história, mas como autor da obra central do romance, sua persona acaba sendo construída pouco a pouco ao longo das três tramas.

Boa parte do livro é dedicada à construção de cada um dos personagens. Os detalhes que constituem sua personalidade, seus gostos, suas aventuras, medos e seu passado são o que tornam o livro tão apaixonante. Através desses personagens Krauss desenrola todo um panorama do Holocausto nazista na Europa, da grande imigração de judeus para os Estados Unidos e as consequências e desdobramentos disso na constituição da América contemporânea.

Apesar de estar à sombra de gigantes como Isaac Singer, Saul Bellow e Philip Roth quando o assunto é literatura e judaísmo, Krauss se mantém sóbria e trilha essa senda longamente palmilhada com personalidade, reverência e originalidade. É possível perceber como, apesar de suas peculiaridades narrativas e de sua construção literária, ela reconhece de forma elogiosa a influência de seus antecessores.

A história do amor, no entanto, não aparece nem como uma reconstituição histórica de uma trajetória individual nem como uma trama puramente ficcional (se é que isso é possível): ela mantém nesse sentido uma dubiedade proposital e muito bem arquitetada, que bordeja realidade e ficção através de personagens verossímeis mas nem por isso menos desprovidos do encantamento ficcional tipicamente literário. Em alguns aspectos lembra o caminho trilhado por Bolaño na “reconstituição-criação” de Carlos Wieder em Estrela distante, cuja micro-história enfeixa acontecimentos históricos de grande significação para a constituição da contemporaneidade, ou mesmo o romance Soldados de Salamina, de Javier Cercas – ainda que devam ser guardadas as devidas proporções.

A prosa de Krauss, bem como seu encarar da realidade contemporânea, possuem um frescor que não é um atributo formal, mas uma tônica espiritual que não se deixa fechar num fatalismo kafkiano nem se torna ingenuamente poliânico. É algo difícil de definir, mas que parece animar sua história e a esburacada estrada trilhada por seus personagens.

Numa trama que insinua conjunções e que parece desafiar os encaixes temporais e históricos – bem como as possíveis taxonomizações literárias – A história do amor se mostra um livro tão leve quanto profundo, que esconde na sua “forma quebra-cabeça” – que não raro se mostra um recurso superficial na literatura – uma “leitura de mundo” deveras apurada e promissora.