Conhecido até hoje por ser um dos principais autores realistas franceses, Honoré de Balzac (1799-1850) publicou romances muito lidos atualmente, dentre eles A mulher de trinta anos, Eugènie Grandet, As ilusões perdidas e O pai Goriot, referências de sempre para se falar da literatura do século XIX. Apesar de ser famoso por sua obra romanesca, também escreveu textos dramáticos, ensaios de temática moral e contos, como os dois integrantes de A obra-prima ignorada, pequeno volume lançado pela editora L&PM em sua coleção 64 Páginas. O primeiro deles se chama justamente “A obra-prima ignorada” e o segundo “Um episódio durante o Terror”. Pessoalmente, já adianto que não sou grande leitor de românticos e realistas franceses, porém digo mesmo assim que acredito que esses dois contos de Balzac são interessantes para um leitor de primeira viagem.

No primeiro conto temos uma experiência envolvendo o jovem artista Nicolas Poussin, personagem de nome idêntico ao de um pintor do Classicismo francês do século XVII. Em um momento de ousadia, ele acaba conhecendo o também artista Porbus e seu velho mestre Frenhofer. Após um diálogo entre os dois últimos sobre a qualidade de um trabalho de Porbus, este e Poussin descobrem mais a respeito do velho mestre e de como ele aprendeu técnicas de pintura que supostamente fariam jus à “natureza” em sua essência. Uma obra sua, retrato de sua idealizada Catherine Lescault, seria o exemplo máximo dessa técnica superior e que faria com que ninguém a ele se igualasse. Nesse conto o mito da obra-prima total e definitiva é um dos alvos de Balzac, muito afim ao repúdio realista da “arte pela arte”. 

Já no segundo conto o que lemos de início é uma história nebulosa, em que temos algumas personagens na França da época do Terror, ou seja, dos julgamentos e das decapitações em massa feitas por Robbespierre na Revolução Francesa. Primeiro apenas há uma mulher em fuga pelas ruas de Paris, amedrontada por um homem suspeito que a persegue. Ao entrar em uma loja buscando ajuda, um casal tenta ajudá-la para depois mudar de ideia também repudiando-a por sua posição aristocrática agora evidente. O perseguidor em seguida vai para outro local onde encontra duas freiras que resistem a admitir sua presença. Elas preferem ficar reclusas com medo de serem julgadas por estarem ligadas ao clero e procuram evitar que o estranho homem descubra que elas escondem um padre. Este acaba por se revelar após notar que o desconhecido é confiável e pode se aliar a eles de modo inusitado em um período revolucionário em que eclesiásticos e monarquistas corriam perigo.

Apesar de ter certa relação com o romance naturalista que viria a surgir na França, percebe-se que a ficção balzaquiana pode ser bem diversa do retrato de costumes burgueses ou da prosa de estudo científico positivista chegando a trabalhar com temas históricos. Nessa abordagem da história francesa, fato e ficção se misturam, porém a verossimilhança persiste. É claro, sabemos por notas de tradução que as personagens de “Um episódio durante o Terror” são todas ficcionais, presentes inclusive em outras obras de seu autor, mas se lêssemos sem as notas provavelmente seguiríamos com nosso “pacto” ficcional estabelecido no início da leitura.

É possível notar que tudo parece bem verdadeiro segundo a visão dos acontecimentos sugerida pelo escritor, ainda que tudo não deixe de ser invenção em partes. Prefiro não estragar a leitura destacando aqui a conclusão de cada um dos contos para exemplificar o que disse acima. Será notável para o leitor o fato de que Balzac através desses dois contos nos fornece uma ficção histórica diferente daquela do Romantismo. A preocupação aqui parece não ser nos lembrar do passado como um ideal, mas sim revelar seus aspectos na sociedade burguesa do século XIX.