Às vezes acontece de uma experiência te atingir de uma forma tão natural que, por mais que você consiga identificar o momento ou o que aquilo teve de especial, tornam-se necessárias algumas horas, ou mais, para começar a entender o que aconteceu de diferente com você. Foram algumas ocasiões em que eu saí do cinema, por exemplo, sem pronunciar palavra alguma a respeito do filme, dando lugar a um tipo de anseio e estado-existencialista-de-reflexão. O silêncio, de certa forma, marca bastante esse negócio de que algo mudou: é “clic” e depois silêncio, porque alguma coisa ali dentro da sua cabeça está ligando enquanto outras desligam e tudo que se pode fazer é esperar para ver o resultado, sem uma resposta precisa. O mesmo se passou com conversas, viagens, pessoas e com a leitura de um livro, quando, sem entender exatamente as razões, fiquei lendo e relendo alguns trechos de alguma página e depois aquilo ficou perseguindo minha imaginação.

Material para discussão e criatividade não faltaram durante a Flip 2012, e acho que, por mais saudosista precoce que isso soe, vou lembrar de muita coisa que aconteceu por lá. Especialmente algo que está vindo muito à minha cabeça desde que retornei de Paraty, um dos muitos “clics” que tive por lá: a mesa “Drummond – o poeta presente”, que presenciei no início da tarde de domingo.

O objetivo dessa mesa não era só integrar a programação especial do autor homenageado, como também discutir e justificar a sua memória. Acredito que poucos negariam a importância de Drummond para a poesia brasileira, mas, como dizia exatamente a sinopse da mesa no folheto da Flip: “Não é fácil precisar exatamente em que consiste essa importância e de que maneira ela se manifesta.” Acho que essa questão não foi respondida porque simplesmente não é possível saber. O que aconteceu, no entanto, foi o relato das lembranças e “clics” que cada um dos participantes, Eucanaã Ferraz, Carlito Azevedo e Armando Freitas Filho, tiveram ao lerem seu trabalho.

Diferente da maioria das outras mesas, em que autores liam trechos de seus livros, essa começou com a participação de Armando Freitas Filho, em vídeo dirigido pelo Walter Salles, exaltando suas experiências e memórias. Disse, por exemplo: “Você pode se esquecer da letra de um verso, mas levará o sentido dele para sempre.” Comparou também o poeta a um beija-flor por ser algo que fica parado no ar, mas pulsa vida.

Em seguida, o mediador Flávio Moura sugeriu que Eucanaã e Carlito fizessem o mesmo tipo de relato na Tenda dos Autores. Carlito Azevedo prosseguiu, apresentando o poema inédito que fez para aquele momento. Ele, que não publicava nada há 3 anos, começou então a ler Querido Príncipe, que terminava com o seguinte trecho: “Saiba que sempre penso em você, pelo menos sempre que o meu coração cresce assim dez, vinte, trinta metros e explode.”  O poema arrancou aplausos extensos do público. Eucanaã seguiu falando sobre os diferentes prismas do autor: “É escorregadio não porque não quer se deixar ver, mas porque deixa se ver demais. Há sempre sete faces possíveis, muitas conflitantes e paradoxais.”

A única pergunta levantada durante a mesa foi sobre ser drummondiano. O que é ter esse estilo? Para Carlito Azevedo, é estar à altura de sua própria queda. Ele refletiu sobre as quedas e respostas que o poeta teve durante a vida, primeiro quando perdeu um filho que viveu apenas cerca de 40 dias e respondeu com o lançamento de um livro. Depois, ao fim de sua carreira, quando perdeu sua segunda filha e morreu pouco tempo depois: “As pessoas quebram, algumas duas, três vezes na vida. Eu quebrei algumas vezes. Mas, lendo literatura, lendo poesia e mais especificamente lendo Drummond, descobri que quebrar pode ser um aprendizado.” Já para Eucanaã Ferraz, todo poeta e pessoa está à altura da própria queda. O que torna a pessoa drummondiana é ela mesma, pois somente ela sabe o quanto o poeta influenciou o seu trabalho: “É como se fosse um segredo: O Drummond de cada um é secreto.” A mesa foi encerrada com a leitura de poemas do Drummond escolhidos pelos participantes.

Falei, no início da coluna, que esse tipo de experiência é natural. Disse isso porque, nos casos que citei, algo foi agregado, mas é difícil encontrar exatamente o que seja. Isso é natural: sentir que aquela coisa sempre fez parte de você. Não sou vasta conhecedora da obra de Drummond, mas agora tenho um sentimento solidário ao Eucanaã Ferraz, Carlito Azevedo e Armando Freitas Filho. Ler qualquer coisa do poeta, a partir de agora, vai ser diferente para mim e muitos dos que puderam assistir a essa mesa. Anos-luz depois, eu ainda estou aqui, tentando entender isso tudo.