Michael Swanwick é um daqueles casos difíceis de acomodar dentro da ficção científica. Certo, Stations of the tide fala de alienígenas, civilizações galácticas e tecnologias absurdamente avançadas, todos elementos mais que carimbados do gênero. Ainda assim, dentro da narrativa de Swanwick, tudo isso assume uma posição quase decorativa, como se estivessem ali menos para conduzir a história que para abrir novas portas à imaginação. Acima de tudo, dentro do estilo do autor, parece estar a constante fascinação dos leitores, uma renovação contínua do encanto das ideias, o que o aproxima mais do campo das fábulas e da fantasia.

Desde a primeira frase de Stations of the tide ele busca estabelecer esse encantamento: “O burocrata caiu do céu” – uma abertura que acolhe o aspecto exótico do cenário e não poupa o leitor com explicações técnicas ou simplórias. O burocrata, no caso, é o personagem central do livro, empregado da Divisão de Transferência Tecnológica, enviado das estações espaciais, de onde são controladas todas as colônias, para investigar uma ocorrência no planeta Miranda. Todo o livro seguirá dessa maneira: uma constante apresentação de novos elementos a serem assimilados, quase desvendados.

O burocrata, no entanto, é um protagonista incomum, que permanece sem nome durante todo o livro, o que serve para ressaltar a sua passividade institucional: sempre à mercê dos eventos, sempre sendo conduzido pelos acontecimentos, sempre um passo atrás em suas investigações. Em muitos aspectos, o verdadeiro personagem principal parece ser o homem a quem ele persegue, o misterioso Gregorian, cujo passado e intenções vão sendo descobertos ao longo da história.

Essa ambiguidade dos personagens é uma marca de todo o livro, que aparece desde o título, traduzido literalmente como “Estações da maré” (embora não soe tão bem em português. Ele descreve, por um lado, a natureza do planeta Miranda, cuja órbita excêntrica o leva, a cada par de séculos, a um catastrófico aumento do nível do mar, que exige o deslocamento de todas as comunidades para outros locais seguros. Por outro lado, o nome aponta para uma ideia de transformação ou metamorfose, que também permeia toda a história. Gregorian, por exemplo, unifica esses dois aspectos ao se apresentar, em todos os canais de TV de Miranda, como um feiticeiro com poder para transmutar qualquer pessoa em um equivalente anfíbio, que seria então capaz de sobreviver livremente no planeta inundado. E é justamente a suspeita de que a “mágica” de Gregorian pode ter fundamentos tecnológicos, de uma espécie proibida em Miranda, que provoca a intervenção do Departamento de Transferência.

Como já deve ter ficado aparente, o cenário de Stations of the tide mistura traços primitivos e alta tecnologia. Miranda reflete algo como a cultura do sul dos Estados Unidos no final do século XIX, com muitas referências ao voodoo e outras práticas místicas, mas com naves flutuantes ou robôs controlados à distância aparecendo aqui e ali. Essa limitação tecnológica remete ao embargo imposto sobre todas as colônias, segundo o qual devem ser aceitas apenas interferências que não prejudiquem a sustentabilidade do planeta. Por sua vez, a tecnologia à disposição dos centros políticos espaciais parece ilimitada. O burocrata, quando desce ao planeta, traz consigo apenas um item, uma maleta metálica, que mais poderia, no entanto, ser comparada a uma varinha mágica, com poderes, entre outros, para sintetizar quaisquer materiais ou ferramentas.

É verdade que, em alguns momentos, o estilo bastante enxuto de Swanwick pode levar a certa dificuldade de compreensão do que está sendo descrito, assim como à impressão de que não existe uma transição tão natural entre os diferentes acontecimentos do livro. Esses pontos, no entanto, são mais do que compensados pelas imagens marcantes construídas ao longo da história, que fazem de Miranda um daqueles lugares imaginários quase ao nosso alcance, e que colocam Swanwick entre os escritores de destaque na ficção fantástica das últimas décadas.

Stations of the tide foi publicado nos Estados Unidos em 1991 e não possui tradução para o português.