“Esta coluna é dedicada a leitores
de livros, jornais, bulas e avisos.
E deste espaço que nada mais é
que um espaço de um leitor que fala
de outro leitor que lê outro leitor…”

Como bom presenteador de livros, eu adoro escrever nas folhas de rosto. Algumas vezes são frases bregas, mas de coração, e outras são escritas no calor do momento. Foge do meu controle esse desejo de dar livros com alguma dedicatória escrita em suas páginas em branco. Além de escrever, gosto muito de receber livros autografados por amigos. Isso se deve ao fato de eu considerar que a dedicatória faça parte do presente, ao contrário de cartões avulsos, papéis de embrulho ou plástico bolha. Na minha concepção, o charme de dar um livro está justamente na mensagem que antecede a leitura. Há uma ansiedade ímpar misturada com uma curiosidade intensa.

Conheci uma pessoa que gostava ainda mais desses microtextos. Amava de maneira obsessiva. Amiga de uma amiga, essa menina era viciada em livros. Não era vista sem livros na mão. O seu maior sonho quando casasse era passar os domingos no parque, apoiando a cabeça no colo do marido e lendo um bom livro. Acontece que a maior mania dessa leitora compulsiva eram as dedicatórias – não aquelas destinadas a ela, mas as que foram escritas para outras pessoas. Quando passava por sebos procurando por títulos de sua lista de leituras, só levava aqueles que continham uma dedicatória – o que, convenhamos, torna muito mais emocionante a busca por uma obra em específico. Os livros se esgotaram e por muito tempo ela quis Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez, mas nunca encontrou um exemplar sequer com algum rabisco na folha de rosto.

Após meses de tentativas frustradas, ela resolveu levar uma das primeiras edições imprensas pela editora Record, que suplicava para ser comprada, sem nenhuma inscrição afetuosa. Cabisbaixa, ao chegar em casa ela deixou o livro sobre seu criado-mudo e contou ao namorado a batalha perdida. Ele pediu para ela esquecer e disse que os dois sairiam para espairecer. Antes ela foi tomar um banho merecido. Enquanto isso, o namorado pegou o livro e escreveu o que lhe veio a cabeça – o que exatamente eu não recordo, mas creio que estejam casados nos dias atuais.

Lembrando dessa história com outra amiga, ela me apresentou o tumblr “eu te dedico”, exclusivo para fotos de dedicatórias em livros. É só fotografar a capa e o texto, depois colocar uma explicação do porquê enviar essas imagens. Pensei em mandar fotos de algumas das minhas favoritas, ainda mais aquelas que não fazem o menor sentido mesmo explicando.

A minha surpresa maior, naquele mesmo dia, foi que essa mesma amiga encontrou o exemplar de Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector, que eu dei de presente a ela em 2007. Ao ler a dedicatória, que ela fotografou com a intenção de mandar para o site, não pude acreditar o quanto aquelas palavras e aqueles sentimentos soavam verdadeiros, ainda que simbolizassem um passado remoto. Era incrível como aquele garrancho, feito a cada semáforo vermelho, era impregnado de sinceridade e inocência e, agora, de nostalgia. Mais bonito que essa recordação, só mesmo o texto explicativo que é usado como descrição de sua foto enviada ao site, em que ela fez questão de usar como uma contra-dedicatória – uma resposta a altura que só o tempo permitiria ser formulada.

Não sei bem até onde as dedicatórias podem levar, se a uma amizade de longa data ou a um casamento, o que importa é que aquela mensagem foi escrita com algum propósito. Mesmo que hoje em dia o presenteador ou o presenteado não se falem mais, aquela dedicatória com certeza continuará como um arco entre os dois.

E quem sabe a dedicatória não se saia melhor que o próprio livro…