Caio Prado Jr. (1907-1990) foi um dos historiadores mais importantes do país. Suas leituras a respeito da trajetória histórica do país, suas abordagens acerca da evolução e da formação do Brasil contemporâneo desde suas raízes coloniais fazem de sua obra um estudo de vulto tão ambicioso quanto essencial. Caio Prado Jr. trouxe para a historiografia brasileira uma série de contribuições de influência marxista, desconstruindo teses propaladas – como a do suposto feudalismo brasileiro -, e inundando de novo frescor as abordagens sobre a formação do Brasil como ele era nos anos 30 e 40. Ou seja, como foi sua evolução política e, por meio disso, as transformações econômicas e sociais pelas quais o país passou ao longo de sua história.

Desse intento – o de mostrar a constituição e organização histórica e política do país – surgiu a obra Evolução Política do Brasil, lançada em 1933 com o subtítulo Ensaio de interpretação materialista da história brasileira; e relançada, em segunda edição, com o subtítulo Ensaio de interpretação dialética da história brasileira, em 1947. A obra só foi tornada “definitiva” em 1953, quando foram acrescidos outros ensaios e estudos. Precisamente essa terceira edição que serviu de base para a reedição lançada recentemente pela Companhia das Letras.

A abordagem historiográfica de Caio Prado Jr. é sintética e prima por uma leitura que reconheça a influência fundamental da base material na constituição da sociedade, da política e da história do Brasil; e que seja capaz de, nesse ínterim, reconhecer os conflitos intestinos do Brasil, entre as classes dirigentes e as classes subalternas em cada um dos diferentes quadros com os quais se organiza a sociedade brasileira ao longo de sua existência. Fez-se necessário para que essa interpretação ganhasse corpo “(…) uma seleção rigorosa que excluísse tudo quanto não fosse absolutamente necessário para a compreensão geral do assunto” (p. 9), isto é, para que se desenhasse, na processualidade e na conflituosidade do caminhar histórico do Brasil sua evolução política.

Se fez necessária também uma periodização que desse conta de abarcar vários séculos de história sem transformá-las em mudanças estruturais per se, dando lume, portanto, aos sujeitos e às classes envolvidos em cada uma dessas mudanças, fossem elas de caráter estrutural ou em nível mais imediato, cotidiano. Por isso é que, ao passar da Colônia para o Império, não damos falta de sujeitos em choque, projetos se digladiando e a própria “intimidade histórica” dos habitantes do país. Caio Prado Jr. não transforma os diferentes estados e estatutos políticos em blocos monolíticos, mas em arranjos sócio-econômicos plenos de vida, onde se podem ver as pessoas trabalhando e vivendo, ainda que não de modo pormenorizado.

Um dos objetivos centrais de Caio Prado Jr. é fazer transparecer as diferentes dialéticas do Brasil sem ressaltar os pretensos “heróis nacionais” ou as classes dirigentes, mas colocando as “pessoas comuns” tendo voz e presença ao longo da constituição do país, embora muitas vezes, sublinha ele, as classes populares não tenham tido participação efetiva nos grandes eventos políticos e históricos de seu tempo. Isso acabou por configurar uma peculiar organização do poder público e da participação política, efeitos que nos chegam até hoje.

Através da exploração da base econômica do Brasil em seus diversos estágios, Caio Prado Jr. faz surgir a hierarquia social, as manifestações culturais e a própria organização do poder político. Toda a dinâmica de existência social tem suas raízes nos quadros produtivos e laborais, ainda que se ramifiquem e se metamorfoseiem em diversas expressões. Em tempos em que imperava uma política férrea por parte do stalinismo em relação às interpretações político-ideológicas, Caio Prado Jr. foge ao chamado “etapismo” e às leituras mecânicas, e consegue pôr em relevo os pilares essenciais da constituição do país.

Além de toda essa vastidão (muito bem disposta em incríveis 90 páginas!), a edição conta ainda com estudos demográficos e históricos em relação à importantes temas ou a discussões caras ao próprio Evolução Política do Brasil, tais como um estudo geográfico da constituição de São Paulo enquanto cidade central do país, a formação e consolidação das fronteiras meridionais do país no encarniçado e longo combate na região sul, uma resenha-introdução da Corografia brasílica de Aires de Casal e assim por diante. É preciso ressaltar ainda a erudição presente no Roteiro para a historiografia do Segundo Reinado (1840-89), onde Caio Prado Jr. expõe as discussões centrais para que se possa compreender as transformações principais do Segundo Reinado e a consolidação da burguesia nesse ínterim.

Juntos os textos conseguem criar um panorama interessante não somente da História do Brasil mas também do próprio Caio Prado Jr., principalmente de suas discussões e concepções mais importantes, sejam elas as contribuições da historiografia marxista, a incansável perspectiva totalizante em relação ao Brasil ou mesmo o espírito crítico e erudito com que pontua cada uma de suas investigações.

Listo abaixo, a título de informação, os textos presentes na edição da Companhia das Letras:

– Prefácio da 1ª edição
– Evolução Política do Brasil

A cidade de São Paulo: geografia e história

– O fator geográfico na formação e no desenvolvimento da cidade de São Paulo
– Contribuição para a geografia urbana da cidade de São Paulo

Estudos históricos

– Formação dos limites meridionais do Brasil
– Aires de Casal, o pai da geografia brasileira, e sua Corografia brasílica
– O Tamoio e a política dos Andradas na Independência do Brasil
– Roteiro para a historiografia do Segundo Reinado (1840-89)
– Cipriano Barata (1764-1838)

Estudos demográficos

– Problemas de povoamento e a divisão da propriedade rural
– A imigração brasileira no passado e no futuro

Extras

– Entrevista (Antonio Candido)
– Posfácio (Paulo Henrique Martinez)

PRADO JR., Caio. Evolução Política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.