(A partir de hoje, cada dia 3 do mês será dia de “TOC do Tuca”, minha coluna aqui pro Meia Palavra. Como gosto especialmente do número 3, este primeiro texto terá 3 partes.)

O Tuca (ou “Da arte de comparar tudo com Friends“)

Eu não sei se com as outras pessoas também é assim, mas, pelo jeito, cada ambiente requer de mim um nome específico. Ok: na maior parte dos lugares eu sou chamado de Arthur mesmo. Mas, no ensino médio, havia quem me chamasse de Victor, para diferenciar do outro Arthur da sala. Para minha mãe, sou Arthur Victor, que ela não me deu dois nomes pra depois usar apenas um. Na faculdade, houve quem me chamasse de Tertuliano. No escritório do Cândido, o jornal da Biblioteca Pública do Paraná, sou o Tertu. Um dos meus melhores amigos me chama de “jovem”, ainda que tenha nascido no mesmo ano que eu – aliás, alguns meses depois. De Tuca, Tuca mesmo, só sou chamado quando estou entre bróders – literalmente, uma vez que eles são uma dupla de irmãos: só eles (e suas namoradas e cunhados) me chamam assim sem que eu estranhe.

Nesse sentido, os cinco dias em que estive em Paraty para curtir a FLIP foram consideravelmente atípicos. Uma coisa é falar com as pessoas online e ler que elas o chamam de Tuca; outra, vê-las realmente pronunciar isso. A sensação não poderia ser mais esquisita: há um pequeno lag entre ouvir “Tuca” e perceber que as pessoas estão realmente se referindo a você. É como se ele fosse o codinome de um espião que ainda não se habituou à sua identidade secreta – se, a qualquer momento, um astuto inimigo o chama pelo nome verdadeiro e ele atende, o disfarce é arruinado. Ou como se você tivesse criado um apelido que pegou.


A questão é que não só consegui me sentir confortável com tanta gente me chamando de Tuca – o Gui, um amigo meu que também estava por lá, teve mais dificuldade para se acostumar com o termo; Jennifer Egan, por outro lado, zerou a FLIP ao proferir linda e delicadamente meu apelido, escrito num post-it para facilitar o autógrafo: “Thank you, Tyou-cah!”. Mas, também, me diverti pacas com o passo seguinte – que, para ser entendido, talvez necessite de alguma contextualização.

(Paraty é uma festa non-stop; está comprovado. Falar de um momento dela é falar dela inteira. Concentremo-nos na primeira noite, então.)

A maior parte dos componentes da Meia Casa, a casa mais vigiada da FLIP, chegou à cidade em dois carros. Uma das coisas mais legais em viagens longas, além de almoçar Pringles e chocolate, é compartilhar uma trilha sonora que anime todo mundo até o destino final. Só que um dos problemas com viagens longas, além de almoçar Pringles e chocolate, é ouvir tanto uma trilha sonora que ela não sai da sua cabeça – isto é, se você se permitir entrar no piloto automático, em breve estará cantando mais uma vez “Want you to make me feel like I’m the only girl in the world”.

Como todo mundo chegou meio tarde da viagem, só tive um tempinho para cumprimentá-los, demarcar território (“o sofá-cama preto é meu!”) e partir. Mantive meus planos, ainda que tenha perdido a conferência de abertura. Depois, eu e o Gui passamos a procurar o Café Paratoba, onde o resto do povo se reuniu após um coquetel – ao pedir informação, preferi acrescentar um acento agudo que não veio no sms da Dindi: Café Paratobá. Só pra manter a dignidade e tal.

Central_Perk

Quando chegamos ao Café Paraty – o nome real do nosso Central Perk –, o local estava repleto (final da Libertadores etc.) e só entrava quem já tivesse mesa. Um rosto conhecido próximo da porta – André Conti, editor da Companhia das Letras – e lá vou eu pedir informação: perguntei pelo Toni, pelo Sr. X, pelo povo do Meia Palavra e ele não lembrava de ter visto ninguém. Ele estava com um pessoal do IMS (Toni) e da Cosac (Raq), justamente aqueles que procurávamos. O mal-entendido ocorreu principalmente por ele não identificar o Antônio Xerxenesky como Toni, mas como Nesky. (Deu pra perceber que a longa história foi inserida apenas para comprovar que não sou o único que possui nomes específicos, né?) Como éramos apenas dois e já tínhamos mesa, conseguimos entrar.

A noite ficou mais divertida na medida em que foi ficando mais tarde e, o local, esvaziando. Quando o assunto da vez era a semântica de “Rabiosa” – a Izze lutava com o péssimo sinal 3G da cidade em busca da letra da música – fomos agraciados com a presença de alguns dos bons velhinhos da 10ª edição da FLIP: Luis Fernando Veríssimo e Zuenir Ventura sentaram-se na mesa ao lado, acompanhados de um pequeno comitê. Enquanto tomávamos a última rodada – uma coca pra mim, por favor – foi levantada a sugestão de que um hipotético programa de TV apresentado pelos dois deveria ter o nome de “Prosa dos Papi”, em homenagem ao “Ay papi” da Shakira.

Este foi um dos poucos dias – se não tiver sido o único – em que voltamos todos ao mesmo tempo para a Meia Casa. Dindi, Gigio, Izze, Pips, Tay, Toni, Raq, Gui e eu caminhando lentamente, ébrios – de sono e/ou de álcool. E cantando. Alto. Pensando melhor, BEM alto. Depois de deixarmos o Gui próximo da pousada dele, a Raq (essa ruiva linda do Blog da Editora) entrou no piloto automático, if you know what I mean. Sim, ela começou a cantar: “Want you to make me feel like I’m the only Tuca in the world… Oh, wait!”.

E foi então que, ainda que tivéssemos um integrante a mais de cada sexo (Pips/Joey, Toni/Chandler, Tuca/Ross, Gigio/Ross, Izze/Monica, Raq/Rachel, Tay/Phoebe, Dindi/Phoebe), nós causamos no chafariz inteiro. Com direito a sofá e abajur.

Mentira.

Mas foi aí que meu apelido se tornou um meme.

O TOC (ou “Mini-flashback, por favor”)

Meses antes, em Curitiba.

Eu mal havia entrado na equipe do Meia Palavra e já havia uma convocação geral para um churras na casa da Anica. Desse jeito, a gente fica mal acostumado. O dia foi bem legal, mas vocês já sabem disso, se costumam ler a coluna da Izze.

A certa altura da tarde, eu perguntei ao Pips quais seriam nossas alcunhas literárias. “A Izze, como todos sabem, é a gata da literatura”, ele disse. “O Luciano”, continuou, “é o judeu da literatura”. Depois disso ele disse que eu era “o toque da literatura” e meio que mudou de assunto. Demorei um tempinho pra sacar que ele tinha dito “o TOC da literatura” – o que explicava um pouco aquela sensação ruim que senti, gerada no exato momento em que percebi que ele não concluiria a lista.

Oi, meu nome é Tuca e eu tenho, em certo grau, TOC. Ok, isso não é novidade nenhuma para quem acompanha meus textos. Há uma seção no meu blog que se chama “Retratos de uma obsessão”: autores contemporâneos que me inspiram a ler suas obras completas. Gosto de fechar listas, tipo a da Granta (li os 20, tenho autógrafos de 8, conheço bastante a obra de 7 e conversei sobre 6 contos aqui) ou a lista geek do Flavorwire (li 6,5 de 12). Desenvolvo algumas pequenas obsessões literárias: tipo zerar o joguinho em 8 bits do The Great Gatsby ou conferir as melhores combinações entre moda praia e as leituras do verão, afinal “Only hobos read books that don’t match their swimwear.”

E, como dá pra perceber, sou particularmente fissurado em ir, sempre que possível, às últimas consequências em meus textos, linkando todas as referências que conseguir.

O TOC do Tuca (ou “Fim do mini-flashback… e do texto”)

Depois de uma boa noite de sono, todo mundo acordou pronto pra outra. Epa, isso aconteceu comigo, que não tinha como estar de ressaca. O fato é que alguns acordaram bem acabados. Nada que o café da manhã fornecido pelo Gigio (não bastassem as dezenas de pães-de-mel que ele levou) ou o pote de bananinhas que comprei na viagem (lembro-me de ao menos uma vida que foi salva pelas benditas bananinhas) não tenha conseguido mitigar.

Quando falei que meu apelido virou meme é porque, naquele microcosmo, a situação chegou a um grau parecido com o de Nissim Ourfali, recentemente: não sei vocês, mas eu me peguei altas vezes cantando “Eu sou o Nissim Ourfali, ô ô, e esse é o meu Bar Mitzvah!”. Cantar “you make me feel like I’m the only Tuca in the world ” era um evento corriqueiro. Pouco antes de chegarmos à Meia Casa, a Raq constatou: “Tuca is a way of life “. No outro dia, alguém acordou com um verso da Ke$ha na cabeça: “No, the party don’t start until Tuca walk in ”. E assim por diante.

Enquanto usava o computador para digitar minha única colaboração para a cobertura da FLIP, anotei no bloco de notas algumas das músicas que conseguimos resgatar da memória. A trilha sonora da casa passava de Philip Glass para Rihanna, de Aimee Mann para Mika – três deles verdadeiras paixões minhas. Uma parte pequenininha de mim lamentava que eu não fosse mais aquele cara que anotava adoidadamente tudo, com medo de esquecer. Outra parte, bem maior, pensava algo como “Ok, você só leu a biografia de Proust, mas, se há alguma lição a ser aprendida, é a de que as coisas importantes sempre voltam à tona. Memórias involuntárias, que tal?”.

E eu me lembrava da Mrs. Dalloway dum livro de Michael Cunningham e da sua besteira em achar que certo momento era apenas o começo de algo.

Tinha parecido o começo da felicidade, e Clarissa ainda se choca, trinta anos depois, quando percebe que era a felicidade; que a experiência toda repousa num beijo e num passeio, na expectativa de um jantar e de um livro. […] Permanece intacta aquela perfeição singular, perfeita em parte porque parecia, na época, tão claramente prometer mais. Agora sabe: aquele foi o momento, bem ali. Não houve outro. [Michael Cunningham, As horas]

Eu estava ali. Lembro-me claramente de estar sorrindo. Sorrindo demais, até. Talvez, é provável, rindo – alguém ainda meio mal-humorado falou algo como “ele claramente não está de ressaca!”. Havia tanta coisa boa reunida, tanto… material (essa é a primeira palavra que me veio), que eu devo ter dito que teria um monte de coisas para falar em minha primeira coluna para o Meia Palavra. O primeiro “TOC literário” (era assim que a coluna se chamaria) teria o título “I’m the only Tuca in the world” e tentaria descrever/transparecer o quão bem eu me senti naqueles dias. Recusando-me a ver aquela primeira manhã de FLIP apenas como “o começo da felicidade”, cada dia teve seu atrativo especial. O único problema de conseguir perceber isso ali, no momento, foi quando percebi que já era a manhã da segunda-feira seguinte e eu teria de voltar para casa. O primeiro rascunho para o tom emocional deste texto – e só me permito enveredar pela rota sentimentaloide/sincera por saber que quase ninguém terá coragem de ler um texto longo assim – foi escrito em um papelzinho que não levei comigo. Deixei no canto em que mais podia ter certeza de que o recado seria dado.

Mas onde estávamos mesmo? Ah, sim: foi então que, no meio da conversa, alguém perguntou “Por que não TOC do Tuca?”. E o título foi aprovado por unanimidade.

(Abaixo, a compilação da playlist, acompanhada dos trechos alterados das canções)

tuca disco

1. Eu Quero Tchu, Eu Quero Tcha – João Lucas e Marcelo
[Eu quero TU, eu quero CA…]
2. Only Girl (In The World) – Rihanna
[Want you to make me feel like I`m the only TUCA in the world…]
4. Moves Like Jagger – Maroon 5 feat. Christina Aguilera
[You want the moves like TUCA, I’ve got the moves like TUCA, I’ve got the moooooves like TUCA…]
5. Tik Tok – Ke$ha
[No, the party don`t start until TUCA walk in…]
6. Lollipop – Mika
[Yo, TUCA…]
7. Hold It Against Me – Britney Spears
[Would you TUCA it against me?…]
8. Sozinho – Caetano Veloso feat. Dindi
[Quando a gente gosta, é claro que a gente TUCA. Fala que me TUCA, só que é da boca pra fora. Ou você me TUCA ou não está madura. Onde está o TUCA agora?]

Bonus Track – Fim de Festa Remix
1. Planeta Xuxa – Xuxa
[Planeta TUCA, uo, uo, uo TUCA…]