Em 1990, época agitada para o cinema-explosivo, o reconhecido diretor Paul Verhoeven (de Robocop e Instinto Selvagem) levou às telas O Vingador do Futuro, estrelado por Arnold Schwarzenegger – que na mesma década fez o segundo Terminator,foi Um Herói de Brinquedo e engravidou em Júnior – e Sharon Stone. Uma superprodução de US$ 65 milhões que fez sucesso ao redor do mundo, ganhou Oscar pelos efeitos especiais inovadores e firmou Arnold como um dos maiores nomes do gênero blockbuster que todos nós, mesmo que não confessemos, gostamos de assistir vez ou outra.

O Vingador…, porém, ganhou espaço especial na prateleira dos fãs do gênero e dos aficionados por aventuras sci-fi não só pela qualidade da produção de Vernhoeven (que verdadeiramente faz mágica com a limitada tecnologia de computação que tinha à disposição na época), mas também por ter sua trama baseada em um conto do icônico autor Phillip K. Dick. (1928-1982).

Phillip tornou-se lendário na literatura por suas narrativas que misturam complexas tramas de ficção-científica, conspiração e alienígenas com os assuntos mais banais da vida cotidiana, especialmente do homem americano, que sempre gostou de retratar. É dele os títulos Minority Report – A nova lei e Blade Runner – O caçador de androides, adaptados com sucesso para o cinema por Steven Spielberg e Ridley Scott, respectivamente.

Já a história em que se baseia O Vingador… foi publicada originalmente em 1966. O conto “We Can Remember For You Wholesale” – traduzido para o português com o bom título “Podemos Recordar Para Você, Por Um Preço Razoável” – traz em suas apenas vinte e tantas páginas a confusão interplanetária em que um operário se envolve. Num futuro indeterminado, Douglas Quail desperta numa manhã qualquer de seu recorrente sonho com a superfície de Marte; após faíscas com sua mulher megera, que sempre está a menosprezá-lo, ele decide faltar no trabalho e ir à Rekall, empresa que implanta memórias falsas, como viagens de férias, na cabeça de seus clientes por “um preço bem razoável”. Doug então escolhe assumir a identidade de um agente secreto numa missão a Marte, mas, é claro, as coisas se complicam e ele se vê metido numa trama conspiratória, questionando tudo o que conhecia como sua vida, seu casamento e, especialmente, sua sanidade (e mais eu não vou contar porque quero realmente que vocês leiam o conto).

Comparando o conto e o filme, percebe-se o quanto os roteiristas tiveram que enxertar nessa trama tão enxuta – e como eles fizeram bem. É até mesmo surpreendente que do conto tenha saído um filme de ação, já que a estória original não traz muito mais do que dois ou três momentos de tensão. A verdade é que esse conto de Dick é um esboço de temas que ele visitaria com mais profundidade em outros projetos, mas mesmo em sua superficialidade, é uma estória tão envolvente, além de surpreender que tenha sido feita nos anos 60, que justifica a adaptação.

O filme de Paul capta a essência dessa trama maluca e a multiplica por dez: vilaniza quem no conto é apenas “chata” (sua esposa) e insere ação a cada instante, além de núcleos completamente novos (como a área G, em Marte, onde fica o lendário bordel de aberrações). Com um bom orçamento e criatividade do roteiro, criou-se um filme digno (e honestamente, até melhor) do que o texto do consagrado escritor.

Hoje, na era pós Senhor dos Anéis (2001) e Avatar (2009) e época das supertelas Imax-3D, assistir ao Vingador do Futuro de 1990 pode ser uma experiência engraçada, mas ainda assim, acredito que seus efeitos sobreviveram melhor ao tempo do que, por exemplo, os do primeiro Terminator (1984). Ainda são icônicos o taxista-androide, o bizarro alien Kuato e a cena final nas montanhas de Marte. Mas se nada disso te convencer, assista pela excelente cena de luta entre uma suada e sempre sexy Sharon Stone e o brutamonte Schwarzenegger.

Passados mais de vinte anos da produção original e terminado o improvável mandato de Schwarzenegger como governador da Califórnia, eis que surge um remake da estória do operário Douglas Quail. Agora dirigido por Len Wiseman (da franquia Anjos da Noite), com Colin Farrell no papel principal, Kate Beckinsale como sua esposa e Jessica Alba como heroína, a produção de US$ 125 milhões abusa bastante dos efeitos especiais e abandona sem relutância o conto em que, teoricamente, se baseia.

Se Paul Verhoeven e seus roteiristas tiveram a habilidade de modificar o original, dando ritmo ágil com boas cenas de ação, mas ainda mantendo o mistério da ficção-científica, o novo filme esquece as boas modificações e parte para uma trama pseudo-política e outras cretinices superficiais que só servem como cenário para dispendiosas, mas nem um pouco criativas, cenas de ação.

A primeira agressão ao conto de Phillip é que nessa nova adaptação tira-se o cenário de Marte e tudo transcorre num mundo pós-apocalíptico destruído por uma guerra nuclear e o blá-blá-blá que já vimos ad nauseam em tantos e tantos filmes de ação (e agora também até nas séries de tevê).

Nesse mundo destruído, apenas duas regiões ainda são habitadas: parte da Europa e a Austrália, que se tornou uma mistura de Chinatown, Moscou e Veneza. Curioso é esse planeta caótico dispõe de uma tecnologia extremamente avançada (da qual ainda estamos anos-luz de distância), mas, paradoxalmente, parece não ver meio algum de reverter a destruição ao ar causada pelas bombas nucleares.

É uma pena que com tanto dinheiro em caixa o resultado alcançado seja tão sem graça. Até mesmo as cenas que deveriam deixar a plateia de “cabelo em pé”, como panorâmicas da cidade-favela super-habitada e a perseguição dos carros-imãs na highway, são apenas variações do que já vimos em filmes melhores. Assim, a reação da plateia normalmente é de: Ok, próxima – com ar de enfado.

As poucas sequências do filme original que foram mantidas nesse remake são sempre inferiores à primeira versão, com o agravante de que em nenhuma delas termos Schwarzenegger, um ator muito mais carismático do que Colin Farell, em cena. A pior interpretação, contudo, fica com Kate Beckinsale, que na fase em que é a esposa ideal de Doug Quail, fala como uma americana, mas quando se revela a vilã do filme assume um sotaque britânico – e como me cansa os vilões americanos sempre terem sotaque britânico! (vide Loki em Vingadores, 2012).

Confesso que normalmente me pré-disponho a certa má vontade para assistir remakes (acho uma falta de respeito com a obra original), mas nesse filme, por ser grande fã do de 1990 (daqueles que marcaram minha infância) e da história de Phillip K. Dick, fui animado à sessão apenas para me decepcionar miseravelmente.

Ainda assim, me contento em saber que me resta o fabuloso pequeno conto de um grande escritor e um excelente filme, ainda de um pouco ultrapassado, mas que soube refletir com qualidade e, principalmente, respeito, a obra que se atreveu a adaptar.

Título Original: Total Recall

Direção: Len Wiseman

Roteiro: Kurt Wimmer, Mark Bomback, entre outros

Gênero: Ação

Duração: 118 min.

Com: Colin Farell, Kate Beckinsale, Jessica Alba, Bryan Cranston e outros

Classificação: 12 anos